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Leonardo Sakamoto

Estreito: a panela e o jingle

Leonardo Sakamoto

24/04/2007 01h54

Decisão liminar da Justiça Federal em Imperatriz, no Maranhão, suspendeu as obras da usina hidrelétrica de Estreito. A sentença do juiz Federal Lucas Rosendo, proferida na última sexta-feira (20), atendeu a uma ação civil pública feita pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e pela Associação de Desenvolvimento e Preservação dos Rios Araguaia e Tocantins.

"Com efeito, o Estudo de Impacto Ambiental e o correspondente Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente relacionados ao empreendimento da Usina Hidrelétrica de Estreito se mostram claramente insatisfatórios no que tangem principalmente, às populações indígenas que, potencialmente, sofrerão as conseqüências da implementação da empresa", afirma a sentença.

Assisti, na noite desta segunda, a uma matéria do Jornal da Globo que relatava, ou melhor criticava, a decisão. A justificativa dada pelo telejornal é que a hidrelétrica forneceria energia suficiente para abastecer uma cidade de quatro milhões de habitantes (mais de 1000 MW) e é o maior projeto privado de geração de eletricidade do país.

Considerando que o maior aglomerado urbano dessa região é Imperatriz (MA), com apenas 230 mil habitantes, me perguntei para onde iria tanta energia… Ainda mais se já temos a gigante hidrelétrica de Tucuruí lá perto, no Pará.

Mas aí vemos que três gigantes produtores de alumínio, metal que consome um mar de energia em seu processo de fabricação, estão entre os membros do consórcio de construtores: a norte-americana Alcoa (líder mundial do setor de alumínio) e sua compatriota BHP-Billiton (maior empresa de matérias-primas diversificadas), além da brasileira Vale do Rio Doce (uma das maiores exportadoras de minério do mundo).

Ou seja, as empresas querem literalmente beber a energia da barragem de Estreito para expandir sua produção de alumínio. Que será escoado pelo porto de São Luís, abastecendo as indústrias de bens de consumo nos Estados Unidos. Montes de panelas que terão embutidas em seu custo o desaparecimento das aldeias indígenas que residem nos 400 quilômetros quadrados alagados pela barragem. Será que isso aparecerá em seus relatórios de responsabilidade social no balanço anual?

Tudo sob a benção do Estado brasileiro, que colocou esse projeto entre as prioridades do seu Plano de Aceleração do Crescimento. E, certamente, vai ajudar em tudo o que as empresas precisarem nesse momento de dificuldade.

Dessa forma, o país continua seguindo sua cruzada, não em nome de Deus ou de Alá, mas em prol do desenvolvimento a todo o custo. Para produzir e, assim, exportar, gerar divisas, pagar juros de empréstimos, e assim poder contrair mais empréstimos e investir na produção. Não sem antes destruir outro lugar e outra comunidade. Que pode ser indígena, mas também ribeirinha, camponesa, quilombola, caiçara ou mesmo moradores da periferia de grandes cidades.

Nesse ritmo, não seria hora do governo adotar o jingle "Esse é um país que vai pra frente…", que fez muito sucesso na ditadura? Acredito que ninguém o acusaria de usá-lo fora de contexto.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.