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Leonardo Sakamoto

Empregado que dizia trabalhar 24h por dia perde ação

Leonardo Sakamoto

19/05/2007 11h09

Para não dizer que eu só defendo o lado dos trabalhadores, segue um caso pitoresco.

Um empregado de uma produtora entrou com uma ação trabalhista contra o seu patrão (processo número 04454200608902008) alegando que havia trabalhado 24 horas por dia entre 2001 e 2005(!). Pediu R$ 283 mil em horas extras.

Mesmo nos mais horrendos casos de trabalho escravo que acompanhei nos últimos seis anos, nunca vi uma situação similar. Por pior que fosse a comida, o alojamento, os maus tratos e o cerceamento de liberdade, sempre há um mínimo de descanso e de alimentação. Caso contrário, a pessoa simplesmente não sobrevive.

Em audiência na 89ª Vara do Trabalho de São Paulo, diante do juiz Marcos Neves Fava, o empregado cedeu um pouco:

"Alertado por mim, em instrução, de que, à vista da experiência deste Juiz de mais de 11 anos de magistratura na área do trabalho, era pouco plausível, para dizer o mínimo, o trabalho continuado, sem dormir, nem comer, por mais de quatro anos, insistiu em reafirmar a jornada. Cedeu, apenas, para dizer que entre 12 e 13 horas, dormia um cochilo de 60 minutos."

A empresa não compareceu à audiência, mas o juiz não acatou a ação por considerá-la um absurdo. Em sua decisão, nesta semana, afirmou que "não pode o Judiciário reconhecer o impossível, sob pena de desrespeito à sociedade".

Além de negar o pedido, Fava condenou o ex-empregado a pagar R$ 2.830,00 (1% da causa) por litigância de má-fé à empresa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.