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Leonardo Sakamoto

Ribeirão, da cana, ganha favelas e condomínios de luxo

Leonardo Sakamoto

21/05/2007 17h33

Ribeirão Preto, a 314 km da capital paulista, é o centro de uma região que foi apelidada de "Califórnia brasileira", comparando a prosperidade trazida pelo agronegócio ao mais rico estado norte-americano. Com o etanol brasileiro em foco no mercado internacional devido às discussões sobre mudança climática, a importância relativa de Ribeirão Preto na economia nacional está aumentando, uma vez que a região é referência na produção de álcool e no desenvolvimento de tecnologia para essa cultura.

Mas o crescimento não vem para todos. Um levantamento divulgado recentemente aponta que, em 2005, haviam 31 favelas na cidade, com 18 mil moradores. No ano passado, já eram 34 favelas com 22 mil pessoas – um aumento de 22%. O município tem população estimada em 560 mil, de acordo com o IBGE.

Simultaneamente ao aumento de submoradias, não param de crescer os loteamentos de fazendas no entorno da cidade para a instalação de condomínios de luxo. Um exemplo é o AlphaVille Ribeirão Preto, com lançamento previsto para 2008. Com área total de 200 hectares, terá lotes de, em média, 450 metros quadrados e deverá comportar 1390 residencias, além de setor comercial e clube privativo. No momento, aguarda a análise do relatório de impacto ambiental pelo governo estadual.

Os próprios filhos de moradores da outra Alphaville, localizada na Grande São Paulo, apelidaram o seu condomínio de "bolha". Um ilha de prosperidade, criada pelo medo e pela comodidade, que pode criar pessoas desconectadas da realidade e dos seus problemas. Como um castelo medieval, erguido para deixar as classes indesejáveis e a violência do lado de fora.

Mas, até aí, nada de novo. O bolo continua crescendo, mas nunca é dividido. O cinismo dessa história fica pelo fato de governo, empresas e mídia tentarem vender a idéia ao resto da população de que o aumento de nossa produção de etanol é motivo de orgulho nacional por ser "ambientalmente correto". Não que o etanol não seja mais limpo que o petróleo, mas esse discurso está sendo usado para enterrar os problemas – literalmente. Em três anos, 19 bóias-frias morreram no corte da cana em São Paulo e, ao que tudo indica, por exaustão. O último foi um jovem de Axixá, Tocantins, município pobre que é uma das fontes de mão-de-obra barata para o agronegócio. Como previsto, a expansão dos biocombustíveis já está sendo feita em cima do sangue e do suor dos trabalhadores.

É interessante como quem está no poder se utiliza de ferramentas no plano ideológico para justificar sua incessante busca pelo lucro, fazendo crer que o desafio a ser enfrentando não é só dele, mas de toda a sociedade. Para impor seus objetivos por meio do aparelho jurídico e administrativo do Estado, constrói um suporte de legitimação que mostre que os seus próprios interesses são, na verdade, interesses de todos e, principalmente, dos próprios subordinados. Quer garantir, com isso, que as contradições sociais inerentes ao sistema não se interponham sobre a sua evolução econômica.

Tomando como exemplo o processo de ocupação da Amazônia durante a ditadura, a construção desse suporte ideológico culminou no slogan "Terra sem homens para homens sem terra". Ele tinha o objetivo de transmitir a idéia de que a Amazônia era um grande deserto verde, desabitado. Contudo, uma análise rápida demonstra a falácia presente na utilização desses discursos, uma vez que terras almejadas pelo capital eram, na verdade, habitadas por populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas, posseiros e colonos. O que esse slogan encobre é que a Amazônia não é desabitada e que a imagem de "deserto verde" é uma construção que serve às forças econômicas interessadas em ocupar a região.

Sob a justificativa do desenvolvimento e do meio ambiente, algumas pessoas ganharão muito dinheiro e terão o apoio de uma parcela significativa da mesma sociedade que vai sofrer as conseqüências negativas disso. Os resultados positivos dessa prosperidade ficarão dentro dos condomínios enquanto crescerão favelas – reservatórios de mão-de-obra barata para a economia local. E a cana pressionará a fronteira agrícola sobre áreas não devastadas, sendo ela mesma vetor de destruição.

Com tudo isso, lembrei-me de uma charge do Angeli, que saiu na Folha de S. Paulo uns anos atrás:

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.