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Leonardo Sakamoto

O impacto social de uma fronteira agrícola livre de aftosa

Leonardo Sakamoto

25/05/2007 15h59

A Organização Internacional de Saúde Animal concedeu o certificado de área livre de aftosa com vacinação para a zona 1 do Pará, nesta quinta-feira (24). Com isso, estão abertas as portas para o aumento da exportação de carne bovina, principalmente ao mercado europeu.

O Pará possui cerca de 20 milhões de cabeças de bois e búfalos. A zona 1 representa 75% desse total, e abrange as regiões Sul, Sudeste e parte do Oeste do estado, limitada ao Norte pela rodovia Transamazônica.

Isso está sendo comemorado por empresários e pelos governos federal e estadual como uma boa notícia para a economia da região. Porém, não podemos esquecer que a pecuária paraense tem sido responsável por grilagem de terras, desmatamentos ilegais e trabalho escravo. O incremento do potencial de venda tornará mais veloz a expansão da fronteira agrícola, o que aumentará a pressão sobre indígenas, quilombolas, ribeirinhos e posseiros. Grandes frigoríficos, como o Bertin, antes mesmo da decisão de ontem, já estavam expandindo suas atividades no Sul do Pará – sob protestos de ambientalistas que denunciavam o impacto que será causado pelo aumento na demanda por carne.

Cerca de 62% das propriedades rurais presentes na "lista suja" do trabalho escravo do governo federal têm a pecuária como ramo de atividade. Os trabalhadores libertados atuavam na derrubada de mata e na construção de cercas (para ampliação da propriedade) e no "roço da juquira" e "bateção de veneno" (ou seja, na limpeza da pastagem).

A região que mais concentra casos é o Sul/Sudeste do Pará, com 49% das operações de libertação entre 2002 e 2004. Ao mesmo tempo, ela tem 39% do desflorestamento acumulado na Amazônia Legal até 2002, e 44% dos assassinatos de trabalhadores rurais em conflitos agrários entre 2001 e julho de 2004.

O grupo que está no governo estadual no Pará, historicamente mais ligado aos movimentos sociais, deve tentar garantir que esse crescimento econômico que se abre no horizonte não seja feito na base da manutenção da exploração da população e do meio ambiente – como tem sido o padrão até o momento.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.