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Leonardo Sakamoto

Por que torcer pelos ocupantes da Reitoria da USP

Leonardo Sakamoto

29/05/2007 23h22

Desde que começou a ocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo por alunos que reivindicam o resgate da universidade pública, gratuita e de qualidade, tem sido comum os setores contrários (os de sempre…) veicularem reclamações na mídia denunciando um suposto "viés político" da ação. Os alunos estariam querendo "outras coisas" além dos interesses acadêmicos.

A mesma crítica sofrem os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária ou os que defendem o acesso universal à moradia de qualidade nas cidades. Eles são taxados de estarem "fazendo política" e não de lutarem para conseguirem um teto ou uma terra.

Essas críticas são estúpidas. É claro que as ocupações da USP, de terras improdutivas ou de prédios abandonados têm um objetivo muito maior do que apenas obter concessões de curto prazo. Elas não servem apenas tapar as goteiras das salas de aula, desapropriar uma fazenda ou destinar um prédio aos sem-teto. Isso é importante, mas é migalha.

Os problemas enfrentados pelos movimentos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim decorrência de um modelo de desenvolvimento que enquanto explora o trabalho, concentra a renda e favorece classes de abastados, deprecia a coisa pública (quando ela não se encaixa em seus interesses) ou a privatiza (quando ela se encaixa).

Não adianta melhorar salas de aula se a política do governo estadual vai continuar dilapidando a educação ao entregar os recursos para o pagamento de dívidas contraídas – para alegria do sistema financeiro -, da mesma forma que a reforma agrária precisa vir acompanhada de uma mudança de prioridade, em que o latifúndio daria lugar à pequena agricultura.

Essas ocupações são atos políticos sim… e graças a Deus! Uma disputa de poder feita simultaneamente em âmbito local e global que, no horizonte histórico, poderá resultar na manutenção da pilhagem econômica, social e cultural da grande maioria da sociedade ou levar à implantação de um novo modelo – mais humano e democrático.

Portanto, torçamos pelo sucesso dos que hoje vão dormir fora de casa.

PS: Conheço muitas pessoas que estão acampadas nesse momento dentro da Reitoria, algumas das da época em que eu era professor de jornalismo na USP. Faz décadas que não se vê na universidade uma resistência estudantil desse porte, o que me renovou algumas esperanças. Se há um grupo de jovens que acredita que a transformação é possível e começou transformando essa própria crença em ação, o futuro não será tão sombrio quanto os atuais e ridículos donos do poder nos levam a crer.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.