Renan, o boi e o caminho do bife no Brasil
De Cuiabá – Você sabe por onde passa a carne bovina até chegar à mesa do consumidor?
Não? Pois saiba que você não está sozinho. Se o presidente do Senado, terceira pessoa na linha sucessória do país, não é capaz de apontar quem são os compradores reais dos bois de sua fazenda (se é que existem…), que diria do cidadão comum que só se depara com eles quando já estão em forma de bife nos supermercados e açougues.
A história dos bois de Calheiros, que já foi somada à triste enciclopédia do anedotário político brasileiro, trouxe à tona um outro tema que mereceria também uma luz: a rastreabilidade da carne bovina. Muitos dos bois que frigoríficos e mercados vendem sob o rótulo de origem controlada, na verdade vieram de um limbo que eles mesmos desconhecem ou conhecem e acobertam. Principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não é raro os brincos de identificação dos bois, que deveriam acompanhá-los durante toda sua vida, serem entregues novos, nunca utilizados, pelos percuaristas aos frigoríficos e abatedouros dentro de sacos plásticos.
Com a identificação de um boi é possível saber se ele foi vacinado, onde nasceu, em que local ocorreu a sua engorda até o seu abate. Por poder ser rastreado e possuir um diferencial, ele alcança cotação maior no mercado. Há um sistema que garante isso, o Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), do Ministério da Agricultura e Pecuária. Mas é incipiente, está em processo de implantação com um calendário que vai até o final de 2008. Mas falta maior participação da sociedade na sua gestão e transparência, além de formas mais efetivas de garantir que ele não seja fraudado.
O que o consumidor tem a ver com isso? Nós podemos estar comprando carne de boi criado em fazendas com más condições sanitárias, que agridem o meio ambiente, que exploram crianças ou escravos, que grilam terras, que fraudam a receita e a previdência social. Tudo isso poderia ser rastreado com um sistema eficaz e universal. Hoje, ao comprarmos esses produtos, damos – mesmo sem saber – anuência a essas práticas.
Uma conseqüência da insuficiência do sistema é a ação de algumas redes de varejistas que têm optado por rastrear por conta própria a carne que vendem – da situação das matrizes, passando pelas condições social e ambiental das propriedades rurais, até a forma como é feito o abate e o transporte.
Em muitos lugares, a pecuária é um negócio informal – gigantesco, envolvendo milhões, mas informal. Boi de uma fazenda irregular passa para outra que possui certificação apenas levantando-se uma cerca. Donos de frigoríficos usam laranjas e mudam de razão social para sonegar impostos. Aliás, há uma estreita relação entre fazendeiros que agem de forma ilegal e certos frigoríficos. Para ambos, o lucro está acima de tudo. E como gado no pasto funciona muito bem como dinheiro facilmente não contabilizado, é um prato feito.
Repórteres da Globo e da Folha de S.Paulo mostraram que os locais indicados por Renan Calheiro como seus compradores não tinham capacidade para receber a quantidade de gado descrita por ele ou nunca tinham comercializado com o senador. A Repórter Brasil realizou uma grande identificação das redes de comercialização de fazendas de gado que usavam escravos. Ignoraram as insuficiências do sistema de rastreamento e investigaram. E se a mídia consegue, os órgãos públicos também.
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