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Leonardo Sakamoto

BNDES precisa exigir garantia do Friboi antes de virar sócio

Leonardo Sakamoto

25/06/2007 18h42

Deu no jornal Valor Econômico de hoje:

A JBS, controladora do Friboi, que se tornou o maior frigorífico de carne bovina do mundo, pode ganhar um sócio de peso. A BNDESPar, braço de participações em empresas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), negocia uma injeção de cerca de R$ 1,4 bilhão na empresa. O dinheiro seria usado num aumento de capital da JBS, dentro do pacote para financiar a compra da americana Swift, fechada no mês passado. Se a operação for concluída, a BNDESPar poderá ficar com uma participação entre 15% e 19% do capital da JBS, segundo estimativas feitas pelo Valor. Segundo o jornal, as conversas já estão adiantadas.

Como eu já tratei neste blog anteriormente, o Friboi é um dos maiores compradores de carne do país, inclusive no Mato Grosso – estado cuja fronteira agrícola está em plena expansão. De acordo com um estudo do Banco Mundial, cerca de 75% da área desmatada da floresta amazônica está ocupada com pasto. A pecuária é a ponta de lança do agronegócio na região, limpando (ou grilando) a terra que depois poderá ser comprada, sem árvores e populações tradicionais, por sojicultores e canavieiros.

Em 2004, constatou-se que o frigorífico era um dos compradores de gado de propriedades rurais que estavam na "lista suja" do trabalho escravo – cadastro do governo federal que relaciona os empregadores que comprovadamente utilizaram esse tipo de mão-de-obra. No dia 21 de maio, ele se tornou signatário do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, após dois anos de vigência, sob pressão de redes de supermercado como o Wal-Mart. Com isso, se comprometeu a deixar de comprar de fazendas escravagistas.

O BNDES declara que utiliza a "lista suja" para conceder empréstimos e financiamentos, assim como já faz o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia – só para citar instituições estatais.

Nesse contexto, espera-se que nosso banco de investimentos, ao se tornar sócio dessa empresa, tenha certeza de que ela não está comprando carne que tem o desmatamento da floresta, a grilagem de terras, a expulsão de comunidades tradicionais e o trabalho escravo, infantil ou degradante no DNA de sua carne.

O frigorífico Bertin, outro grande exportador, para conseguir recursos do IFC, o braço de investimentos no setor privado do Banco Mundial, teve que realizar um estudo de impacto sobre a ampliação de sua atuação no Pará. Afinal de contas, a região conhecerá um crescimento da demanda por gado causado pelo aumento de sua capacidade de abate. O estudo, criticado pela sociedade civil, não contempla todas as possilidades de danos sociais, ambientais e fundiários. Mas é, em si, um avanço com relação ao passado, em que nada se cobrava e tudo se podia.

A assinatura do Pacto Nacional foi um passo importante dado pelo Friboi, mas é necessário que a empresa dê outros. Não é porque a empresa é o maior frigorífico mundial que ela deve ser motivo de orgulho para o Brasil. Mas sim o tratamento que ela reserva à sua terra e sua gente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.