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Leonardo Sakamoto

Quero fazer uma aposta com Paulo Skaf

Leonardo Sakamoto

18/07/2007 11h10

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, reclamou ontem das críticas feitas por outros países contra o etanol brasileiro. Ele estava em Brasília para a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, onde o tema foi discutido, e desafiou quem consiga provar que fazendas de cana mantêm mão-de-obra escrava.

Fico até constrangido que o presidente da mais importante federação de indústrias do país mostre que está tão alienado da realidade como parece.

"O Brasil tem alta competitividade. Não podemos aceitar que digam que o país pratica o trabalho escravo", disse Skaf, segundo o site da Gazeta Mercantil. Como bom administrador, ele deveria saber que é exatamente na busca pela competitividade que o grau de degradação do trabalho tem crescido em áreas e setores periféricos da produção e o trabalho escravo aparecido. Para aumentar sua margem de lucro, há produtores rurais que cortam custos onde é mais fácil. Já que não é possível enganar as indústrias de insumos e equipamentos, subtrai-se direitos dos trabalhadores em uma escala crescente até que, em última instância, seja tolhida sua liberdade e sua dignidade.

Convido Skaf a participar de uma reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne o governo federal e a sociedade civil, na qual poderemos mostrar vídeos, fotos, depoimentos, relatórios, provas documentais, tudo o que ele precisar para perceber o tamanho da besteira que proferiu. Verá, por exemplo, que as duas maiores libertações de escravos ocorreram no setor sucroalcooleiro: a usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), e a Destilaria Gameleira, em Confresa (MT) – ambas com mais de mil trabalhadores resgatados. A Gameleira está, inclusive, na "lista suja" do trabalho escravo – cadastro do governo federal que mostra quem utilizou esse tipo de mão-de-obra. Verá também que as grandes distribuidoras de combustível, como a Petrobras, Ipiranga, Texaco, Esso e Shell, reconhecem a existência de trabalho escravo na produção da cana – tanto que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e cortaram relacionamentos comerciais com quem se vale desta prática.

É uma burrice sem tamanho se defender de ataques protecionistas da União Européia dizendo que o problema não existe. Ele poderia ter evitado essa síndrome do avestruz e dado uma declaração melhor, dizendo a verdade: que temos casos de trabalho escravo na cana, apesar dela não ser a principal atividade a utilizar esse expediente (papel exercido pela pecuária bovina). Que o problema é pequeno em comparação com a economia brasileira. Que mesmo sem a exploração do trabalho, temos preços competitivos devido à nossa geografia e ao clima. Que temos também muitos casos de superexploração do trabalhador na cana (20 pessoas morreram nos últimos três anos de tanto trabalhar nessa lavoura só no Estado de São Paulo). Mas o Brasil vem atuando para combater a situação e que, cada vez mais, se torna necessária a união entre setor empresarial, governo e sociedade para retirar os maus empregadores do mercado e procurar adotar um padrão de desenvolvimento que não seja feito em cima do sangue e da liberdade de pessoas.

Ou produzimos mercadorias com dignidade para o trabalhador ou não venderemos nada lá fora. Para que ganhar dinheiro se ele não se reverte em melhoria da qualidade de vida do país e sim em lucro para o bolso de fazendeiros e industriais? Crescer o bolo sem distribuir era o lema da ditadura militar – da qual a nossa elite era aliada. A manutenção desse tipo de pensamento só me faz crer que certos empresários têm saudade daquela época.

Caro Paulo Skaf, vamos fazer uma aposta. Não queremos seu dinheiro, longe disso. Mas se a gente provar que há trabalho escravo na cana brasileira, o senhor promete que vai parar de proteger os usineiros e ajudar na solução do problema?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.