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Leonardo Sakamoto

Um mês de prisão por reivindicar pagamento

Leonardo Sakamoto

23/07/2007 17h57

No Brasil, a justiça não é lenta, mas sim seletiva. Dependendo de quem é o réu, ela pode ser rápida e intolerante ou lenta e benevolente. O triste caso abaixo demonstra bem isso. Pedi para o repórter Iberê Thenório, que está cobrindo a história pela Repórter Brasil, que escrevesse este post para o blog.

Hoje faz um mês que 14 trabalhadores da cana-de-açúcar estão atrás das grades em Porto Alegre do Norte (MT). Eles eram empregados da Destilaria Araguaia, no município vizinho de Confresa, e foram detidos em 23 de junho por protestar contra os atrasos nos seus salários.

Apenas um deles é morador da região. Os outros 13 vieram de regiões pobres do Maranhão. Consegui conversar com um dos presos por telefone e ele me contou que se revoltaram porque precisavam mandar dinheiro para a família, mas o salário não vinha. Tocaram fogo em alguns pneus e, com facões na mão, bloquearam a entrada da usina. Ninguém ficou ferido, e a empresa não prestou queixa do dano aos pneus. Mesmo assim, a Polícia Militar prendeu parte do grupo. Pessoas que visitaram os trabalhadores logo após a prisão garantem que eles foram espancados. A PM nega.

O que parecia uma simples detenção para averiguação se transformou em prisão preventiva, e o Ministério Público os denunciou pelo crime de sabotagem, que é o de invadir um estabelecimento para atrapalhar o curso normal do trabalho ou danificar suas instalações.

No último sábado (21), o juiz Marcos Agostinho Pires, de Vila Rica (MT), negou a liberdade provisória aos trabalhadores, dizendo que, apesar de todos os migrantes serem réus primários, ainda não apresentaram documentos que comprove residência fixa no Maranhão.

Até agora, apenas uma família conseguiu recursos para sair do Nordeste e visitar o parente preso no Mato Grosso. As outras mal têm dinheiro para comer, que dirá para viajar ou contratar advogados. Uma advogada da Prelazia de São Félix do Araguaia está atuando no caso em prol dos trabalhadores.

Consegui entrar em contato com a esposa e uma filha de um trabalhador de Paraibano (MA). Assim ela resumiu seus últimos dias: "Ele [o marido preso] é que botava comida na boca dos filhos. E vai fazer mais de dois meses que não vem dinheiro. São os vizinhos que estão emprestando um pouco de arroz e feijão pra gente poder sobreviver".

É interessante lembrar que a Destilaria Araguaia, onde foi realizado o protesto, é a antiga Destilaria Gameleira, onde mais de mil trabalhadores foram libertados da escravidão em 2005. O crime de reduzir pessoas à condição análoga à escravidão também está previsto no nosso Código Penal, mas nenhum dos donos da Gameleira/Araguaia ou de qualquer fazenda flagrada por trabalho escravo está na cadeia neste momento por causa disso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.