Escravos da laranja são libertados no interior de São Paulo
O grupo móvel de fiscalização libertou 19 trabalhadores em condição de escravidão no distrito de Pederneiras, região de Bauru, interior do Estado de São Paulo. De acordo o Ministério Público do Trabalho, eles não tinham descanso semanal, dormiam amontoados em uma antiga oficina mecânica e não recebiam água potável. A alimentação e as ferramentas para o serviço eram descontadas do salário.
"Cada trabalhador recebia R$ 10 por dia, tendo que colher dois sacos de 680 kg de laranja. Com esse salário eles precisavam pagar alimentação, alojamento… Não sobrava nada", afirmou o procurador Marcus Vinícius Gonçalves Gonçalves. Devido à operação de fiscalização, os trabalhadores receberam os salários devidos, seus direitos trabalhistas e indenização por dano moral.
A fazenda havia contratado uma empresa terceirizada para a colheita que, por sua vez, contratou um gato para trazer mão-de-obra. A terceirizada está assumindo a responsabilidade trabalhista, mas caso não cumpra com as obrigações o dono da fazenda responderá pelo caso.
Durante os últimos vinte anos, houve uma ação forte por parte de entidades da sociedade civil para a erradicação do trabalho infantil e escravo nos canaviais e laranjais do interior de São Paulo. Após uma série de denúncias e reações por parte de empresas, tentou-se passar a impressão de que o centro do agronegócio do país estava limpo, do ponto de vista trabalhista – imune ao que acontecia nas regiões de expansão agrícola, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O que não era verdade. As coisas aqui podem ser se analisada a proporção de casos bizarros, mas há situações deploráveis sim – e muitas. Aonde há expansão de empreendimentos agropecuários e de extrativismo (e isso existe em todo lugar), há alguém querendo acumular recursos de forma rápida e fácil. Explorando, para isso, o trabalhador.
O trabalho escravo contemporâneo não é um resquício de modos de produção arcaicos que serão extintos com o desenvolvimento do sistema, mas um mecanismo utilizado racionalmente por empreendimentos para viabilizar a acumulação nas situações e ambientes de expansão do capital. A superexploração do trabalho, da qual a escravidão é a forma mais intensa, é deliberadamente utilizada em determinadas circunstâncias como parte integrante do modo de produção. Sem ela, empreendimentos mais atrasados ou recém-implantados não teriam a mesma capacidade de concorrer com sucesso na economia globalizada. Por conseguinte, o crescimento da oferta de produtos agropecuários no mercado seria mais lento, o que reduziria o ritmo de queda dos preços das matérias-primas em escala global, prejudicando o comércio e a indústria.
É interessante notar que é contrário ao interesse do sistema a erradicação dessas formas não contratuais de trabalho. Pelo contrário, ele as absorve e recria sua função quando estas possuem características que podem beneficiá-lo.
Escravos contemporâneos e trabalhadores assalariados, elementos antigos e novos, convivem dentro do capitalismo de forma completementar e para o bem deste. Marx afirmava que o "morto apodera-se do vivo". Com base em mais de um século de experiência capitalista, com a manutenção de antigas práticas dentro do sistema, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas recorrem às velhas.
Como em Bauru, quando a laranja mostrou o seu lado mais azedo.
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