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Leonardo Sakamoto

Pesquisador que nega trabalho escravo foi afastado do Ipea

Leonardo Sakamoto

19/11/2007 13h44

Gervásio Rezende foi um dos pesquisadores recentemente afastados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pelo seu presidente Márcio Pochmann.

"Sou um técnico independente. Tenho feito críticas contundentes às políticas de crédito, fundiária e trabalhista. Isso, talvez, esteja incomodando muita gente. Talvez não queiram um técnico com esse perfil", afirmou ele na Folha de S. Paulo. "Talvez pelos meus estudos recentes sobre trabalho escravo", completou no jornal O Globo.

Talvez.

Gervásio diz não acreditar na existência de trabalho escravo no meio rural, apesar de haver mais de 26 mil evidências do contrário, libertadas entre 1995 e este ano pelos grupos móveis de fiscalização do governo federal. Processo que começou durante a administração tucana e se desenvolveu durante a petista, ou seja, uma ação de Estado e não de governo.

Que eu me lembre a bancada ruralista e políticos correlatos, a ala tacanha do agronegócio, movimentos reacionários como o "Paz no Campo" e uma parte do Itamaraty que está mais preocupada com a imagem do país do que com a situação de sua mão-de-obra dizem não acreditar que exista trabalho análogo ao de escravo no Brasil – apesar das evidências materiais e humanas ao contrário. Gervásio Rezende representava esse pensamento.

Há espaço para análises conservadoras e progressistas dentro do governo (haja vista nossa conservadora política econômica). Mas o que se discute aqui não é opinião, mas sim pesquisa.

Ele diz que críticas podem tê-lo afastado. É possível. Mas tendo em vista que ele ignora a existência de um problema reconhecido, registrado, estudado e divulgado há décadas talvez o que estava em jogo era sua habilidade de apreender a realidade à sua volta e analisá-la.

Nesse caso, um afastamento vem em boa hora. Assim ele pode retornar aos bancos acadêmicos para reflexão e aprendizado. De qualquer maneira, recursos para dar continuidade à sua linha de pesquisa não faltariam. Há muito fazendeiro milionário que retira o couro de trabalhadores e impede que eles deixem suas propriedades antes de terminado o serviço que adoraria patrociná-la.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.