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Leonardo Sakamoto

Casal é preso e perde casa nos EUA por trabalho escravo

Leonardo Sakamoto

20/12/2007 14h53

Deu na Associated Press e outras agências: Um júri decidiu que um casal milionário residente em Long Island e condenado por utilizar trabalho escravo deve destinar sua casa ao governo. As decisões foram tomadas entre segunda e terça-feira desta semana nos Estados Unidos.

O casal Mahender and Varsha Sabhnani recebeu uma pena 40 anos de cadeia por torturar e manter em cativeiro duas mulheres indonésias que eles trouxeram aos EUA para trabalharem em serviços domésticos.

O júri considerou que a mansão de 548 metros quadrados, em uma parte rica de Long Island, foi usada no crime. Os advogados disseram que devem recorrer.

As duas mulheres, Enung e Samirah, disseram ter sido agredidas com vassouras e guarda-chuvas, feridas com facas e até forçadas a ingerir vômito. Declararam também ter sido obrigadas a tomar banho gelado, a dormir no chão e não recebiam alimentação adequada como formas de punição por deslizes nos afazeres domésticos.

Nos Estados Unidos, a legislação prevê que as propriedades em que trabalho escravo for encontrado são confiscadas pelo governo. E destinadas a quem tenha sido explorado.

Enquanto isso, no Brasil…

Tentamos aprovar uma legislação como essa há 12 anos. Desde aquela época, mais de 26 mil escravos foram libertados em ações de fiscalização do governo.

A proposta de emenda constitucional (PEC) nº 438 prevê o confisco das propriedades onde escravos forem encontrados e sua destinação à reforma agrária. Ela é considerada pelos órgãos governamentais e entidades da sociedade civil como um dos projetos mais importantes para erradicar esse tipo de mão-de-obra.

Na prática, a chamada "PEC do trabalho escravo" dá nova redação à lei que trata do confisco de propriedades em que forem encontratadas lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. Ela acrescenta a exploração de trabalho análogo ao de escravo nos requisitos para expropriação. Ou seja, confisco sem indenização.

No Senado Federal, ela foi aprovada em 2003 após dois anos de tramitação. Já na Câmara, apesar de ter sido apresentada pela primeira vez em 1995, empacou após sua aprovação em primeiro turno. Isso se deve à falta de ação política por parte da articulação política do governo federal e do Congresso Nacional e, principalmente, à pressão da bancada ruralista.

Vale lembrar que a PEC só conseguiu sair da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), onde estava parada, devido à visibilidade que o tema ganhou após o assassinato de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego, em Unaí (MG), durante uma emboscada tramada por fazendeiros locais em janeiro de 2004. A comoção popular ainda empurrou a proposta plenário adentro, garantindo a aprovação em primeiro turno. Hoje, passados dois anos da chacina, nem a PEC está aprovada, nem os mandantes do crime presos.

"Se a sociedade não pressionar, acho muito difícil que a bancada ruralista permita que esse tema volte à pauta", reclamou o deputado Tarcísio Zimmerman (PT-RS), relator da PEC na Câmara, a Repórter Brasil.

Isso sem contar que não há nenhum, repito NENHUM , fazendeiro que tenha sido julgado, condenado e cumprido pena por trabalho escravo, apesar de 26 mil pessoas já terem sido libertadas dessa condição. Lei para isso nós temos (artigo 149 do Cógdigo Penal, que prevê de 2 a 8 anos de xilindró). Mas sabe como é: por aqui uns são mais iguais que os outros perante a lei e a impunidade é diretamente proporcional ao tamanho da conta bancária.

PS: As duas que eram escravizadas vão ganhar cidadania americana. Enquanto isso, em São Paulo, os imigrantes latino-americanos, principalmente bolivianos, encontrados em situação de escravidão não têm garantido o seu direito de continuar no país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.