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Leonardo Sakamoto

Governo vai criar Lista Suja do Desmatamento na Amazônia

Leonardo Sakamoto

22/12/2007 12h22

Demorou, mas veio. O governo federal anunciou, ontem, a criação de um importante mecanismo para evitar que o lucro produzido através da exploração criminosa da floresta amazônica fique nas mãos dos proprietários rurais que desrespeitam a lei. Será criada e divulgada uma lista de fazendas que desmatam ilegalmente e haverá punições para quem estiver nela relacionado. E também para quem dela for cliente.

Um decreto assinado pelo presidente Lula ontem prevê o seguinte:

1) O Ministério do Meio Ambiente vai estabelecer uma lista de municípios prioritários para ações preventivas de desmatamento – 32 já foram selecionados, responsáveis por 45% da perda de cobertura vegetal. Os critérios serão: total desmatado desde o início do monitoramento, total desmatado nos últimos três anos e aumento de taxa de desmatamento em pelo menos três vezes nos últimos cinco anos (consecutivas ou não).

2) Com base nessa relação de municípios, o Incra vai fazer uma atualização cadastral de imóveis (na verdade, essa deveria ser a atribuição do órgão em todo o país e não apenas em uma pequena relação, mas vá lá). Para recadastrar a sua terra, o proprietário ou posseiro terá que apresentar dados georreferenciados (com as coordenadas do imóvel) para que o poder público possa verificar se houve ou não desmatamento ilegal. Quem não for recadastrado terá seu certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR) suspenso. Ou seja, o sujeito não poderá obter crédito público, nem fazer qualquer transação com a propriedade.

3) O Ibama criará uma lista positiva de imóveis com desmatamento monitorado e sob controle. Isso funcionará como uma espécie de selo oficial para que o mercado possa selecionar produtos que obedecem as leis ambientais. A autorização para novos desmatamentos nesses municípios só ocorrerá se o imóvel estiver regular. Caso esteja em situação irregular, será embargado para uso comercial, da mesma forma que aqueles que não se recadastraram. Os municípios da Amazônia que mantiverem 80% de seu território com imóveis georreferenciados e com baixas taxas de desmatamento receberão o certificado "Município Amazônico com Desmatamento sob Controle". O governo federal irá priorizar projetos nesses municípios.

4) Agora vem a parte mais interessante: o Ibama será responsável pela criação e manutenção de uma lista dos imóveis rurais que descrumprirem o embargo da área ilegalmente desmatada. A lista servirá de referência para o mercado evitar commodities produzidas através da devatastação da Amazônia. A própria ministra Marina Silva disse que a idéia é que isso funcione como a "lista suja" do trabalho escravo no Brasil. O mercado utiliza essa relação, criada em 2003, para evitar empréstimos e cortar relações comerciais.

Haverá sanções administrativas a quem adquirir, intermediar, transportar ou comercializar produtos ou subprodutos de origem animal ou vegetal oriundos dessas áreas embargadas. Ou seja, frigoríficos, tradings de soja, siderúrgicas, usinas de etanol terão responsabilidade compartilhada com as fazendas, uma vez que também ajudam o desmatamento ao financiar produção sob área irregular. Com isso, as grandes empresas terão um "incentivo" a mais para atuar na preservação da Amazônia.

Essa medida é uma evolução com relação à "lista suja" do trabalho escravo, em que o corte de relacionamento comercial é uma decisão do mercado, feito principalmente pelas mais de 100 empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Na "lista suja" do meio ambiente, a obrigatoriedade do corte é normatizada pelo governo.

Para sair da "lista suja" do desmatamento as propriedades rurais terão que pagar multa de R$ 5 mil por hectare derrubado, assinarem um termo de ajustamento de conduta e comprovarem que reverteram o desmatamento ao longo de um período de tempo. As sanções administrativas para as empresas compradoras e transportadoras serão definidas até o fim de janeiro.

O decreto também prevê o fortalecimento de instrumentos de monitoramento, fiscalização, controle e responsabilização dos desmatamentos e incêndios florestais ilegais na Amazônia.

Os empresários espertos vão adotar logo de cara a lista como referência, pois sabem que ela vai ajudar suas exportações ao inviabilizar o discurso estrangeiro de que é necessário impor barreiras não-tarifárias para evitar produtos que causam desmatamento da Amazônia.

Ainda mais agora, no momento em que a tendência de desmatamento na Amazônia está novamente em alta. Há alguns anos, venho escrevendo que, no que pese os seus louváveis esforços, o Ministério do Meio Ambiente tinha menos controle sobre o desmatamento na região amazônica do que a Chicago Board of Trade, nos Estados Unidos, e os empresários de Roterdã, na Holanda, onde se define o preço mundial da soja. O grão passou um longo período com preço baixo no mercado internacional, o que freou sua expansão sobre a Amazônia e o Cerrado. Como não valia a pena economicamente, o agronegócio não se expandiu sobre novas áreas. Agora, que o preço volta a atingir patamares interessantes, ouve-se o despertar das motosserras.

Ao mesmo tempo, a demanda por etanol está levando a uma busca incessante por terras em locais de agricultura consolidada para plantar cana, expulsando outras culturas em direção à fronteira. Em Goiás, por exemplo, é visível a briga entre cana e soja. Nessa briga, quem sai perdendo é o meio ambiente e as populações tradicionais. Mas aí já é outra história.

A culpa não é do MMA. É difícil lutar contra um inimigo que tem aliados dentro da própria casa. Afinal de contas, o governo federal é um dos maiores incentivadores dessa política de expansão, incensando o etanol e apoiando com subsídios agrícolas aqueles que desmatam. Na esperança de que, lá na frente, isso tudo gere caixa para pagamento da dívida externa.

Se essa política divulgada ontem der certo, da mesma forma que vem dando certo a similar do trabalho escravo, será um grande avanço para o país – ponto para Marina Silva, Guilherme Cassel, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e Lula.

Acompanhando a lista do Ministério do Trabalho e Emprego posso dizer com certeza que muita gente (graúda) vai chiar. Incluindo políticos e empresários que hoje já visitam, sem sucesso, a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, tentando remover alguém ou a si mesmo da "lista suja" do trabalho escravo, uma vez que o prejuízos têm sido significativos. Ou seja, o MMA tem uma tarefa dura pela frente. Espero que consiga cumpri-la bem.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.