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Leonardo Sakamoto

Chacina de Unaí completa quatro anos de impunidade dia 28

Leonardo Sakamoto

18/01/2008 15h11

A Chacina de Unaí completará quatro anos no dia 28 de janeiro. E, até agora, não há ninguém condenado pelos assassinatos. Ontem, Chico Pinheiro, um dos intermediários do crime, pediu habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, alegando demora no julgamento e questões de saúde.

Vale a pena lembrar o que foi a Chacina de Unaí. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora.

Em 28 de janeiro de 2004, os quatro, funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional, o que levou o governo federal a uma verdadeira caçada aos executores e mandantes do crime.

Foram apontados como mandantes dos assassinatos os fazendeiros Norberto e Antério Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito prefeito de Unaí pelo PSDB, com 72,37% dos votos válidos, ganhando fórum privilegiado.

Norberto foi solto em agosto de 2005, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe conceder habeas corpus. Foi preso novamente no dia 17 de julho de 2006, sob acusação de que estaria atrapalhando as investigações sobre a chacina. Por fim, uma nova liminar concedida em novembro de 2007 pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a Norberto o direito de responder ao processo em liberdade.

O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

Também estão envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como "Chico Pinheiro") e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Esse último, ao lados dos irmãos Mânica, são os únicos a responderem ao processo em liberdade.

Hugo Alves Pimenta, comerciante de cereais e patrão de Castro, chegou a ficar solto, mas voltou para cadeia depois que a Polícia Federal descobriu depósitos de dinheiro feitos por ele em contas de namoradas dos pistoleiros. Além disso, a PF apurou que Pimenta havia prometido R$ 400 mil a cada matador que mantivesse no seu depoimento a versão de roubo seguido de morte – e não de homicídio planejado. Um dos motivos da prisão preventiva de Norberto Mânica, em julho de 2006, foi a denúncia de que ele teria ligações com os depósitos, e de que estaria ameaçando uma das viúvas das vítimas. Segundo o STJ, a falta de indícios para essas acusações justificava, entre outras razões, o habeas corpus de Norberto.

O Supremo Tribunal Federal divulgou, ontem, que chegou um pedido de habeas corpus em favor de Chico Pinheiro. Sua defesa pede a soltura do réu pelo fato dele estar, até agora, "desprovido de condenação formal" que possa justificar sua prisão. Também de acordo com a defesa de Chico Pinheiro, ele, que tem 71 anos, sofre de cardiopatia grave, hipertensão e diabetes e necessita de tratamento hospitalar e ambulatorial. Coitado…

"A manutenção da custódia do paciente [Chico Pinheiro] está ultrapassando qualquer prazo razoável, sendo injusto e discriminatório", afirmam os advogados.

A mesma justificativa pode ser usada para questionar porque os responsáveis pelo crime não estão cumprindo pena pela chacina. Uma vez que a lentidão do processo "está ultrapassando qualquer prazo razoável, sendo injusto e discriminatório" com as famílias das vítimas e parte importante da sociedade brasileira, que não aceita que o latifúndio permaneça impune, matando gente e ficando livre.

O Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho, aliado a movimentos sociais ligados ao campo, está organizando manifestações para o dia 28. Irão protestar pela demora no julgamento dos acusados.

Não vou dizer que é incompreensível a demora da Justiça porque infelizmente não é. A verdade é que a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) e lento (se quiser que seja lento). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.

O alento, ainda que mínimo, que ouvi lá das bandas de Minas Gerais, é que acusados, apesar de desfrutarem de uma liberdade que contrasta com a grande quantidade de provas contra eles, estão tendo que desembolsar milhões de reais para permanecer nessa situação. Esperemos que a Justiça seja feita e, no final das contas, esses milhões não sejam um investimento, mas um grande prejuízo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.