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Leonardo Sakamoto

Breve crônica do desmatamento anunciado

Leonardo Sakamoto

23/01/2008 20h27

Olha eu, de novo, falando a mesma coisa. Sempre vi com ceticismo as declarações de que a diminuição da taxa de desmatamento anual da Amazônia representava um processo consistente. Até porque nenhuma das políticas implantadas até agora teve, a meu ver, força suficiente para fazer com que a floresta não virasse pasto, lavoura e carvoaria. Ou melhor dizendo, nenhuma das ações de Estado tocou na questão principal, que é o modelo de desenvolvimento.

A ação com maior potencial de dar certo é a criação da "lista suja" do desmatamento, no final do ano passado, forçando um embargo a propriedades rurais que tenham áreas devastadas ilegalmente. Mas ela ainda precisa ser aplicada e seus resultados verificados para soltarmos o primeiro rojão.

Hoje, veio mais uma notícia preocupante. Dados preliminares divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam um desmatamento na região amazônica de 3.235 quilômetros quadrados entre agosto e dezembro de 2007. A ministra Marina Silva, em entrevista coletiva, afirmou que isso representa uma tendência preocupante. A maior parte dos desmatamentos se concentrou no Mato Grosso (53,7% do total desmatado), Pará (17,8%) e Rondônia (16%).

A ministra citou o avanço da soja e da pecuária como fatores, ao lado de uma seca mais longa. Disse em público (finalmente) que não acredita que seja coincidência o aumento do desmatamento no momento em que o preço da soja e da carne atingem altos patamares no mercado internacional.

Enfim, a água está batendo na bunda da Amazônia… Espero que esse alerta sirva para o governo federal impedir a retirada de estados como o Tocantins da Amazônia Legal (o que diminuiria a área de reserva legal de fazendas, hoje em 80% na região, para alegria dos sojicultores e das tradings da soja) e agir para evitar a aprovação do perdão dos fazendeiros que desmataram por anos e agora querem que suas terras sejam regularizadas. Além, é claro, de implantar de forma efetiva a "lista suja" do desmatamento. entre outras ações)

Há alguns anos, venho escrevendo que, no que pese os seus louváveis esforços, o Ministério do Meio Ambiente tem menos controle sobre o desmatamento na região amazônica do que a Chicago Board of Trade, nos Estados Unidos, onde se define o preço mundial da soja. O grão passou um longo período com preço baixo no mercado internacional, o que freou sua expansão sobre a Amazônia e o Cerrado. Como não valia a pena economicamente, o agronegócio não se expandiu sobre novas áreas. Agora, que o preço volta a atingir patamares interessantes, ouve-se o despertar das motosserras. Há dois anos, quando falei sobre isso, me chamaram de "arauto do pessimismo". Hoje, posso dizer com tranqüilidade: eu avisei.

Mas não é só. Análises apontam que o preço da arroba de carne bovina deve alcançar cerca de R$ 90,00 até o fim do ano, o que representaria um aumento de mais de 20% com relação aos valores atuais. O Brasil virou o açougue do mundo. Por um lado, isso significa mais dinheiro entrando. Por outro, significa mais desmatamento (a Amazônia está virando o pasto do país) e mais trabalho escravo (62% dos casos desse tipo de exploração são de pecuária bovina, considerando a "lista suja" do trabalho escravo do governo federal).

Ao mesmo tempo, a demanda por etanol está levando a uma busca incessante por terras em locais de agricultura consolidada para plantar cana, expulsando outras culturas em direção à fronteira. Em Goiás, por exemplo, é visível a briga entre cana e soja. Nessa briga, quem sai perdendo é o meio ambiente e as populações tradicionais.

Carne, soja, cana brigando por espaço. Com o preço da terra subindo, fica cada vez mais atraente desmatar ilegalmente. Um fator que ajudar a "convencer" empresas e fazendeiros a atuarem dentro da lei (evitando desmatamento, exploração do trabalho, grilagem de terras) é a pressão da sociedade e do Estado. Quando isso acontece, fica caro sair da linha (por boicote, multas, dano à imagem institucional). Mas quando os preços estão indo de vento em popa, vale a pena rasgar as regras, mesmo com o passivo. No saldo, a balança ainda é lucrativa.

Além disso, com o preço da terra subindo com a especulação imobiliária (a cana é uma das principais responsáveis no Centro-Sul), torna-se vantajoso ir em busca de áreas nativas, desmatar e implantar uma fazenda. Por fim, é mais barato pegar os solos ricos recém-deflorestados do que tr que recuperar uma área abandonada.

Repito o que eu tinha dito antes. O único culpado não é o MMA. É difícil lutar contra um inimigo que tem aliados dentro da própria casa. Afinal de contas, o governo federal é um dos maiores incentivadores dessa política de expansão, incensando o etanol e apoiando com subsídios agrícolas aqueles que desmatam. Na esperança de que, lá na frente, isso tudo gere caixa para pagamento da dívida externa. É hora de agir, e não esperar uma graça dos céus neste momento.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.