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Leonardo Sakamoto

E o Troféu Frango vai para o ministro da Agricultura

Leonardo Sakamoto

26/01/2008 11h00

O ministro da Agricultura Reinhold Stephanes já estava colecionando declarações infelizes sobre a ocorrência de desmatamento na região amazônica nos últimos tempos. Não comentei nada porque já espero que o responsável por essa pasta esteja lá para defender os grandes produtores rurais da melhor forma possível. Mas como a qualidade da argumentação do ministro está soando bizarra, ele vai ter que receber o prêmio.

Cabe aqui dizer que uma crítica ao Ministério da Agricultura não significa uma defesa do Ministério do Meio Ambiente, que tem boas intenções, mas não poder real para fazer frente à expansão da soja e do gado (leia o post anterior). Apesar de crer que tem, pelas medidas que vem tomando.

Enquanto a mídia nacional e internacional visita o nortão matogrossense para mostrar áreas sendo devastadas como conseqüência do aumento de preço dessas commodities no mercado internacional, comprovando os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o ministro diz ao jornal Folha de S. Paulo: "Acredito que deve haver problemas com os dados sobre o Mato Grosso. Algo não bate, pode não ter havido derrubada". Não?! E foi além: "E, se houve, não foi para o plantio de soja, pode ter sido pela pecuária, mas não quero especular".

Stephanes sabe muito bem que a soja compra áreas de pastagens, degradadas ou não, e ajuda a empurrar a pecuária cada vez mais em direção à floresta. Em uma realidade em que carne e grão são economicamente interessantes, esse processo se avoluma, inclusive com a derrubada direta para a soja. Derrubar floresta também é mais barato para o pecuarista, que pega uma terra mais rica em nutrientes e mais barata – quando não de graça, uma vez que a grilagem corre solta. Stephanes diz que não quer "especular". Ação que, ao contrário dele, vem sendo feita pelos produtores rurais da Amazônia há anos, especulando com terras que muitas vezes nem lhes pertencem, roubadas da União, ou seja, de todos nós. Quase ninguém tem título de propriedade legalizado. Mas a fiscalização para verificar isso é insuficiente (ou conivente) e as reclamações são varridas para baixo do tapete.

(Aliás, eu também ia dar o troféu para o governador de Rondônia Ivo Cassol, que retirou o apoio policial a ações de fiscalização do Ibama por considerá-las incorretas. Mas tendo em vista o currículo de Cassol, que já trabalhou com o setor madeireiro e adota políticas que vão na contramão do desenvolvimento sustentável, seria covardia. O troféu seria redundante.)

Grandes frigoríficos brasileiros, exportadores ou não, comercializam carne bovina da região onde estão os 36 municípios sob embargo de desmatamento, para dentro e para fora do país. Lembrando que, no ano passado, o Sul do Pará tornou-se área livre de aftosa mediante vacinação, o que levou à indústria da carne a aumentar ainda mais suas posições naquela região, visando à exportação.

Além disso, boa parte dos frigoríficos grandes também compraram, em algum momento dos últimos anos, de fazendas que estão na "lista suja" do trabalho escravo, ou seja, que obtiveram lucro com uma das piores explorações possíveis contra o ser humano.

A solução passa por colocar os frigoríficos e as tradings de soja sob os holofotes e co-responsabilizá-los. A implantação de grandes entrepostos de grãos ou de frigoríficos contribuem para aumentar o número de produtores em determinada região. É básico: cria-se oferta para suprir a demanda. Se quisermos manter a floresta e os povos que nela vivem, vamos ter que ordenar melhor e, se for o caso, frear a atuação desses atores no processo.

O governo federal não deu a devida atenção ao problema até agora porque soja e carne geram belos superávits em nossa balança comercial (em um país que vaza bilhões de dólares anualmente para o pagamento de uma dívida de juros bizarros). Empresta-se dinheiro público a rodo para projetos que vão fomentar a exploração insustentável da região. Em outras palavras, o governo financia a destruição. E depois, de forma esquizofrênica, defende e ataca os produtores ao mesmo tempo na mídia, contrapondo ministérios de uma mesma gestão. Também há dinheiro privado, por exemplo, das grandes tradings de soja, que pré-financiam a produção, fazendo papel de bancos aos sojeiros. Ditando preços e prazos, pressionando a produtividade, mas isso já é outra história.

A Repórter Brasil, da qual faço parte, realizou um amplo estudo, em 2004, sobre as cadeias produtivas do trabalho escravo no Brasil com o objetivo de alertar ao mercado quais os produtos comercializados contém mão-de-obra escrava. Repetimos a dose no ano passado e as informações vêm norteando diálogos com a iniciativa privada e a sociedade civil. Por isso, o que estou falando não é chute.

Em último caso, se o ministro da Agricultura não quiser acreditar nos dados de um instituto público e respeitado ou nas informações trazidas pela imprensa, ele pode baixar na internet o Google Earth e checar ao longo do tempo o avanço da lavoura da soja e da pecuária nos municípios da região. É fácil e ele pode fazer de dentro do seu gabinete. O único problema é que, talvez, a atualização de imagens não seja tão rápida quanto o desejado. Dessa forma, corre o risco de quando assumir que o problema existe, o Pará e o Mato Grosso terem se transformado em um imenso pasto, entrecortado por lavouras quando o relevo permitir.

O pior é que Stephanes é uma pessoa inteligente e com acesso a informações, sabe melhor do que nós o que está acontecendo. Isso é o problema.

Criei um tempo atrás neste blog o Troféu Frango para premiar situações bizarras em geral. O Frango, desta vez, vai para o ministro Reinhold Stephanes.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.