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Leonardo Sakamoto

Frigoríficos exportadores já compraram de escravagistas

Leonardo Sakamoto

19/02/2008 08h21

O ministro da Agricultura e Pecuária deu uma bola dentro ao dizer que o Brasil exportou carne não-rastreada. Contudo, o saldo ainda está negativo para ele depois do ataque aos índices de desmatamento divulgados pelo INPE que mostram que o ritmo de desvastação da floresta voltou a subir.

Apesar da grita européia, nosso verdadeiro calcanhar de Aquiles não é a questão de saúde animal, mas dos impactos negativos gerados pela expansão pecuária sobre o meio ambiente e populações tradicionais. Sem esquecer da exploração ilegal de trabalhadores. Problemas como desmatamento, trabalho escravo, contaminação química de rios, deslocamento forçado de posseiros e populações indígenas e grilagem de terras rondam a produção bovina em áreas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Posso dizer sem sombra de dúvidas, com base nas pesquisas de cadeia produtiva da Repórter Brasil, que frigoríficos exportadores brasileiros compraram carne de fazendas que utilizaram mão-de-obra escrava nos últimos anos. Fazendas que passaram pela "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego (cadastro do governo federal que divulga os empregadores que incorreram nesse crime).

E não são sitiozinhos mequetrefes com meia dúzia de ruminantes, mas, na média, grandes fazendas.

Um caso extremo é a Roncador, de Pelerson Soares Penido, localizada em Querência, no Estado do Mato Grosso, que possui mais de 150 mil hectares de área. Isso mesmo: uma gigante com 1500 quilômetros quadrados de tamanho (equivalente ao município de São Paulo), que utilizou escravos e já vendeu sua produção para grandes indústrias autorizadas a exportar.

Há frigoríficos que tomam ações para tentar garantir uma carne livre de trabalho escravo, como os que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, acordo que reúne mais de 100 empresas no combate à escravidão. Por exemplo, o frigorífico Bertin entregou ontem ao Comitê Gestor do Pacto Nacional uma lista de fazendas cujo relacionamento comercial foi interrompido por estarem na "lista suja", além de ações que estão tomando para orientar a cadeia da carne no sentido de erradicar esse tipo de mão-de-obra.

Mas há aqueles frigoríficos que nem aceitam sentar para conversar. Depois, ao perderem mercado, culpam importadores estrangeiros, ONGs, governos. Mas nunca sua própria incapacidade de agir corretamente. Perdem clientes quando têm uma oportunidade de ganhar compradores exigentes – e que, por isso, estão dispostos a pagar mais por um produto limpo ambiental e socialmente.

O trabalho escravo é adotado por fazendas para diminuir custos de produção, aumentando assim a competitividade. Mas essa minoria de empresários criminosos não é suficiente para gerar uma diminuição completa do valor de uma mercadoria para a exportação. O lucro fica com fazendeiros e intermediários e raramente é repassado ao importador no exterior ou ao consumidor final no Brasil.

Há interesse de outros países em desqualificar comercialmente o Brasil e contra isso devemos mostrar as ações que vêm sendo tomadas para erradicar o trabalho escravo. As ações de libertação do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, entre outras medidas tomadas pelos membros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) têm mostrado que é possível erradicar o trabalho escravo, garantindo mercados mas, principalmente, qualidade de vida para a população. Basta atuarmos de forma firme para prevenir esse tipo de exploração e punir rigorosamente quem se beneficia dela direta ou indiretamente.

Vamos evitar ficar na guerra retórica, ruminando que nada existe na pecuária. Afinal de contas, 62% das fazendas com escravos detectadas no país estão nesse setor.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.