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Leonardo Sakamoto

Por um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim

Leonardo Sakamoto

21/03/2008 20h03

Alguns jornalistas que conseguiram furar a censura imposta por Pequim têm trazido à tona a violência com a qual a China vem reprimindo os protestos tibetanos contra a antiga ocupação territorial, econômica, política e cultural. O país mente descaradamente sobre o que está acontendo no Tibet – onde cerca de cem pessoas já teriam morrido nos confrontos de março – e acusa o Dalai Lama de incitar a violência a partir da Índia, onde está o governo tibetano no exílio.

Há séculos o Tibet tenta ser livre, o que não lhe é permitido. A invasão de 1951 foi apenas a última sofrida por esse povo.

A ditadura chinesa, em termos de liberdade de expressão, faz o regime cubano parecer jardim de infância. Só que, ao contrário da ilha caribenha, ela é vista com respeito e admiração pelo mundo. Se Cuba fosse aberta ao mercado global, as acusações sobre o desrespeito aos direitos humanos seriam insignificantes (ou alguém tem dúvida que há um monte de cubanos de Miami sonhando com o dia em que poderão tirar proveito da mão-de-obra barata da ilha?). A China é o sonho de todo o capitalista moderno, com milhões de trabalhadores em situação de escravidão e outras centenas de milhões pagos a soldo de miséria, gerando crescimento e lucro altos. E quem reclama, toma bala. Para a alegria de várias multinacionais.

A China aproveita os jogos olímpicos para tentar limpar sua imagem (a mesma tática é utilizada por empresas que desmatam, poluem e exploram e, para ninguém se lembrar disso, patrocinam eventos ou bancam a construção de pracinhas).

Um comentarista esportivo disse recentemente que é errado misturar política com esportes. E que os jogos são um momento de confraternização entre os povos e não de contestação. Afe! Eu prefiriria ouvir os gritos de "pão e circo!" no Coliseu. Pelo menos nos tempos dos césares, a sinceridade era maior…

Na Grécia Antiga, todos os conflitos e guerras paravam por ocasião das Olimpíadas, quando ocorria um teste para o corpo, mas também um exercício de tolerância. Como a China é grande, dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo: bater nos tibetanos no Oeste e fazer propaganda para o Ocidente no Leste.

Vozes têm se levantado em protesto. Mas vão ficar no gogó. Não creio que algum país tenha coragem de boicotar os jogos por conta do que a China faz ao Tibet. Pois o mundo se divide em dois blocos. Primeiro, aqueles que estão no mesmo barco que a China. Rússia, Turquia, Sérvia, Espanha, entre outros que têm reprimido a ferro e fogo povos que habitam seus territórios e buscam a autodeterminação. Estes devem estar torcendo para Pequim passar o rolo compressor nos protestos o quanto antes e não abrir precendentes. E, segundo, aqueles que têm ou gostariam de ter negócios da China com a China. Os restantes.

Vamos todos ver quem será o mais rápido, o mais forte ou quem irá mais alto. Com a certeza de que somos cada vez menos conscientes e humanos. Afinal, competir é o que importa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.