Topo

Leonardo Sakamoto

Decidam, deputados!

Leonardo Sakamoto

27/04/2008 11h58

Escrevi o artigo a seguir junto com Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra. Quem quiser assinar o abaixo-assinado é só clicar aqui.

Circula pelo país um abaixo-assinado promovido pelos integrantes da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e por vários movimentos sociais sob o lema "PEC do Trabalho Escravo, aprovação já!". O problema levantado é vergonhoso para qualquer brasileiro. A solução proposta é cristalina.

Aos 120 anos da Lei Áurea e aos 60 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, brasileiros continuam sendo traficados para trabalho escravo: 6 mil deles foram libertados em 2007 de um total de 30 mil encontrados nessa situação desde 1995 pelo governo federal. Nesse período, a Comissão Pastoral da Terra registrou denúncias envolvendo mais de 50 mil trabalhadores "aprisionados por promessas", obrigados a trabalhar em fazendas e carvoarias, em condições desumanas e impedidos de romper a relação com o empregador. Vidas roubadas no altar da competitividade.

Sua maior concentração está nas regiões de expansão agropecuária da Amazônia (coincidindo com o Arco do Desflorestamento) e do Cerrado. O trabalho escravo é com freqüência associado a desmatamento ilegal, na formação de pastos ou instalação de lavouras. Contudo, há também casos no Sul e no Sudeste do país. Em 2007, metade dos trabalhadores foi resgatada na Região Centro-Oeste e em canaviais.

Empregadores adeptos desse sistema são, em sua maioria, grandes proprietários, produzindo com tecnologia de ponta lá mesmo onde exploram essa "gente descartável". Arcaico e moderno convivem em busca do lucro fácil e abastecem o comércio nacional e internacional.

É teoricamente fácil punir quem ameaça a liderança do Brasil no mercado mundial de commodities agrícolas e envergonha cada brasileiro: indenizações milionárias são aplicadas contra escravistas modernos; assinantes do Pacto Nacional das empresas pela erradicação do trabalho escravo têm cortado negócios com eles. Porém muitos persistem e até reincidem. Nenhum deles foi para a cadeia. Nenhum perdeu sua propriedade. Os criminosos permanecem livres, ricos proprietários, e até elogiados pelo tributo que trazem aos cofres nacionais.

Um meio simples de acabar com isso está nas mãos do Congresso. Chama-se PEC 438/2001. A Proposta de Emenda Constitucional do confisco da terra acrescenta a questão do trabalho escravo ao artigo da Constituição que prevê a expropriação das terras com plantio de psicotrópicos. As propriedades confiscadas seriam destinadas à reforma agrária, uma das medidas mais urgentes para gerar alternativas decentes de trabalho no campo.

No dia 12 de março cobrou-se da Câmara a aprovação da PEC, que já foi votada no Senado e, em primeiro turno, pelos deputados. Continua ali, parada, sob resistência da bancada ruralista. Dá para tolerar que nossos representantes continuem sentados em cima de uma questão como essa?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.