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Leonardo Sakamoto

"Carrasco do Maranhão" é condenado a 14 anos de cadeia

Leonardo Sakamoto

20/05/2008 10h53

Recife – Lembram-se dessas fotos? Postei aqui no blog meses atrás.

É o corpo de um trabalhador rural que foi queimado com ferro em brasa, daqueles de marcar gado, por ter reclamado da qualidade da comida e dos salários atrasados por meses. As fotos rodaram o mundo e a indignação foi grande contra o proprietário da fazenda que escravizava seus trabalhadores.

Uma boa notícia que soltei na Repórter Brasil e reproduzo aqui: o fazendeiro Gilberto Andrade, acusado de ter torturado o trabalhador, foi condenado pela Justiça Federal no Maranhão a 14 anos de prisão pelos crimes de trabalho escravo, ocultação de cadáver e aliciamento de trabalhadores. De acordo com o Ministério Público Federal, responsável pela ação, a condenação se deve a uma libertação de 19 escravos ocorrida em uma de suas propriedades anos atrás. A decisão saiu no final de abril. Mas enquanto recorria da sentença em liberdade, ele foi preso no início de maio e encaminhado à Penitenciária de Pedrinhas por causa de três pedidos de prisão preventiva solicitados pelo MPF gerados por reincidências nesse crime.

Para quem tem a impressão – correta – de que a Justiça no Brasil tem dois pesos e duas medidas, um tratamento para os ricos e outro para os pobres, a condenação é um alento.

Gilberto Andrade é figurinha repetida entre aqueles que desrespeitam os direitos humanos. A libertação que originou essa condenação é apenas uma das muitas operações já realizadas pelo grupo móvel de fiscalização, formado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF), em suas fazendas Boa Fé Caru, Bonsucesso e Baixa Verde, localiadas entre o Maranhão e o Pará. Ele já foi fiscalizado por denúncias de trabalho escravo em maio de 1998, setembro de 1999, novembro de 2004, maio de 2005 e fevereiro de 2008. Esta última foi o caso do homem marcado a ferro, que contou com 23 pessoas libertadas e pelo qual ele ainda será julgado.

Ainda segundo denúncia do Ministério Público Federal do Maranhão, foram localizados cadáveres enterrados nas fazendas do réu, que teria conhecimento do fato. Devido à dificuldade de identificação das ossadas, os crimes ainda estão sendo investigados.

Gilberto Andrade, além dos 14 anos de cadeia, vai ter que pagar uma multa de 7,2 mil salários-mínimos, no valor vigente à época dos crimes. De acordo com a sentença, não será possível a suspensão da execução das penas, bem como a substituição das penas privativas de liberdade por outras como doação de cestas básicas e serviços à comunidade.

O escravagista está na "lista suja", cadastro do governo federal que relaciona os empregadores que comprovadamente utilizaram trabalho escravo. Com isso, ele perde acesso a créditos de instituições públicas e de alguns bancos privados e clientes ligados ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Entre os frigoríficos que já compraram sua produção em anos passados está o Mãe do Rio, hoje nas mãos do Margen. Este grupo tornou-se signatário do Pacto Nacional este ano, comprometendo-se a adotar uma política de restrição comercial a quem se utiliza desse tipo de exploração.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.