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Leonardo Sakamoto

Falta autocrítica a nossos representantes "comerciais"

Leonardo Sakamoto

21/05/2008 17h35

Brasília – Ouvi o ministro Celso Amorim reafirmar, há pouco, aqui no Senado Federal, que a maior parte das críticas ao etanol é representada por interesse econômicos estrangeiros.

Nada sobre os sindicatos de trabalhadores rurais brasileiros, entidades de direitos humanos brasileiras, juízes brasileiros, procuradores brasileiros, parlamentares brasileiros, fiscais do trabalho brasileiros que denunciam as condições degradantes de milhares de cortadores de cana. Amorim comparou o etanol ao "colesterol", dizendo que há o bom e o mau. O mau seria aquele que disputa espaço com alimentos, numa clara referência àquele produzido a partir de milho nos Estados Unidos. O bom seria o nosso, feito de cana, que não briga com a produção de alimentos. Condições péssimas de trabalho? Imagina, segundo ele a cana gera empregos.

Não só o chanceler Amorim, mas todos aqueles que só vêem o lado comercial do etanol costumam jogar para baixo do tapete as questões sociais, como os mais de 20 mortos de exaustão durante o corte da cana no interior paulista nos últimos três anos, os 3131 libertados da escravidão na cana no país no ano passado e por aí vai. O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde? Já ouvi isso de outro embaixador, anos atrás…

Petróleo é uma degraça para o meio ambiente e vai acabar, mais cedo ou mais tarde. Os agrocombustíveis são uma realidade e o etanol de cana brasileiro vai conquistar o mundo – pelo menos nas próximas décadas. Portanto, fico com um pouco de vergonha quando vejo esses casos de maniqueísmo comercial explícito, ainda mais de uma pessoa tão inteligente quanto nosso chanceler. Senhores, menos. Com mais autocrítica iremos mais longe, com trabalhadores com melhor qualidade de vida.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.