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Leonardo Sakamoto

Yeda, Aracruz e o exército a favor do "progresso"

Leonardo Sakamoto

28/05/2008 16h54

A foto acima traz a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), entrando em um ônibus da Aracruz – empresa líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto, usada na fabricação de papel – para um evento. Estou sem o autor, mas ela está circulando na internet, principalmente em blogs e sites gaúchos.

A Aracruz tem uma longa ficha corrida de agressões ao meio ambiente e invasões de terras indígenas e quilombolas. Pertinente à agenda da governadora tucana, de liberdade para o agronegócio a qualquer custo.

Há oito anos, denunciei um projeto da Aracruz para construir um terminal marítimo para escoamento de madeira na Bahia que causaria sérios problemas ambientais. Lembro de ter tomado pancadas de arautos do "progresso" em prol da empresa. É difícil criticar comportamentos de quem é bem a$$e$$orado.

Duas histórias ilustram bem como o poder econômico de uma empresa se infiltra em nosso cotidiano:

Outdoors que recontam a história
Eles vieram ao mundo patrocinados por empresas e organizações da região Sul da Bahia, área de vastas plantações de celulose em forma de eucalipto. E apesar dessas fotos serem tão interessantes e dizerem tanto sobre a época em que vivemos quanto Isabelas, elas não ganharam o mesmo espaço na mídia.

Parte da grande indústria ligada à agropecuária e ao extrativismo, bem como seus arautos defensores, perderam o pudor totalmente. Quando expande seus domínos às áreas cujo capital ainda não alterou as relações sociais, ocupa terras de populações tradicionais, pilha os recursos naturais e globaliza os lucros advindos da exploração da mão-de-obra barata.

Há discurso terrorista contra os povos indígenas. Vá para Roraima e para o Mato Grosso do Sul, por exemplo, e perceba, através dos argumentos contra eles, o estrago das campanhas pelo "progresso" feito no imaginário popular. E a História continua sendo escrita e reescrita pelos conquistadores. No ritmo em que vão as coisas, se for deixar a elaboração dos livros didáticos na mão desse povo aí do outdoor, não me surpreenderia que fossem feitas algumas atualizações.

"Em 22 de abril de 1500, o proprietário rural português Pedro Álvares Cabral, quando aportou no Sul da Bahia, estabeleceu comércio com os caciques da tribo Aracruz, trocando miçangas por toras de eucalipto – o que foi altamente lucrativo para os locais. A primeira missa foi celebrada com a presença de dezenas de operários – entre os turnos da tarde e da noite – de forma a não prejudicar a produção…"

Publicidade indevida
Anúncios com cara de reportagem têm sido cada vez mais comuns na mídia impressa. Já comprei uma revista da Editora Abril e me deparei com uma matéria, bem produzida, diga-se de passagem, sobre a produção de eucalipto, matéria-prima da celulose. Ao final, em um quadradinho acanhado, menor que um papel de bala, aparece que aquele conteúdo foi feito sob encomenda da Aracruz Celulose. Sem o "Informe Publicitário" que aparecia no topo das revistas antigamente quando elas publicavam anúncios com cara de matéria, que a ganância comeu, provavelmente.

Até entendo a crise financeira pela qual passam muitos veículos de comunicação, mas há certas concessões que parecem ser uma boa idéia, e no longo prazo jogam a credibilidade do veículo na lama. Vender uma marca como se fosse informação independente é enganar o leitor. Até porque a "matéria" defendia que o eucalipto não causa impacto ambiental, o que é contestado por pesquisadores da área.

Espera-se da Aracruz (sem trocadilhos) tentar lavar sua imagem, que sofreu sérios danos por conta de sua invasão de terras pertencentes a comunidades indígenas e quilombolas no Sul da Bahia. Mas é dever de uma empresa que faz jornalismo não deixar ser usada para lavagem de reputação de empresas – ainda mais oferecendo ao leitor gato por lebre.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.