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Leonardo Sakamoto

A Polícia Militar está a serviço de quem?

Leonardo Sakamoto

18/06/2008 16h35

Recebi este apelo de frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra no Sul do Pará. O tema é preocupante mas, infelizmente, não é novidade. O Massacre de Eldorado dos Carajás é um dos tristes episódios em que a Polícia Militar do estado usou de sua força contra os trabalhadores e a favor dos grandes proprietários de terra. Mas é apenas um, entre tantos que passam despercebidos na mídia e na opinião pública.

Há uma relação carnal que se estabelece entre o patrimônio público e a propriedade privada na região amazônica. Muito similar ao que se enraizou com o coronelismo nordestino da Primeira República, o detentor da terra exerce o poder político, através de influência econômica e da coerção física. O já tênue limite entre as duas esferas se rompe. É freqüente, por exemplo, encontrar policiais que fazem bicos como jagunços de fazendas.

Henri, de quase 80 anos, é um dos ameaçados de morte no Pará. Esse parisiense tem sido, há décadas, um dos principais defensores dos direitos fundamentais na Amazônia, atuando no combate ao trabalho escravo e na luta pela terra. Com a cabeça colocada a prêmio por fazendeiros da região, vive com escolta policial 24 horas por dia.

Nessa situação, ele escreveu o texto abaixo:

Desde 2005, dezenas de famílias assentadas pelo Incra no Projeto de Assentamento São Sebastião do Cristalino, Município de Santana do Araguaia, tem suas roças invadidas e destruídas por fazendeiros que não foram devidamente retirados da área.
Há meses que o juiz federal de Marabá deu ordem de Reintegração de Posse ao Incra, ordenando a retirada imediata dos fazendeiros do Projeto de Assentamento.

O desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional, tem se empenhado, desde a reunião realizada em maio de 2008, em Redenção (PA), para o cumprimento urgente da referida ordem judicial, requerendo inclusive o acompanhamento da Policia Militar, essencial para ser realizado com êxito.

Fomos informados pelo superintendente do Incra de Marabá, que a operação já estaria agendada com todos os órgãos envolvidos e se realizaria no dia 09 de junho, o que não ocorreu. Quatro dias depois, recebemos informações de que a reintegração se faria no dia 16 de junho. Porém, não se realizou, por falta de disponibilidade da Polícia Militar. Depois, fomos novamente informados que a reintegração estaria planejada para hoje, desde que a Policia Militar de Redenção tivesse disponibilidade de tempo para acompanhar, o que não aconteceu.

Entretanto, ontem um oficial da PM nos esclareceu em Redenção, que ainda não havia sido marcada a data da reintegração devido a necessidade de levantamento prévio da situação da área pela Policia Militar. Sabe-se que o próprio secretário de Segurança Pública, Geraldo Araújo, já há tempo determinou o cumprimento desta operação.

É óbvia a má vontade da Policia Militar de se disponibilizar para dar apoio à reintegração de posse em detrimento de fazendeiros, considerando que nas operações em desfavor de sem terras, há uma ação imediata da PM.

Podemos citar dois exemplos recentes: o caso da fazenda Forquilha, ocorrido no final de maio, em que a PM foi imediatamente para área, sem ordem judicial, a fim de retirar os sem terra que tinham reocupado a fazenda. No município de Santana do Araguaia, no inicio de maio, a polícia agiu dentro de 24 horas para pressionar um grupo de sem-terra que havia ocupado pequena porção da fazenda Santa Fé. Nestes dois exemplos a Policia não precisou nem de ordem judicial nem de levantamento prévio.

Vale ressaltar que a pedido dos fazendeiros, a Policia já esteve varias vezes nessa área de conflito cometendo arbitrariedades e abuso de poder contra os trabalhadores assentados.

Por isso fica a pergunta: a PM de Redenção obedece e está a serviço de quem?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.