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Leonardo Sakamoto

Justiça condena defensor dos direitos humanos no Pará

Leonardo Sakamoto

26/06/2008 11h41

José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra e membro da coordenação nacional da entidade, é um dos maiores defensores dos direitos humanos que conheço. Tem incomodado latifundiários, grileiros, pistoleiros, empresários e políticos corruptos e criminosos há anos. Agora, ele foi condenado a prisão em um caso estranho que só vêm a mostrar mais uma vez que para punir os poderosos a Justiça Federal de Marabá parece não funcionar, mas para criminalizar e condenar defensores de direitos humanos ela tem sido eficaz.

O juiz federal de Marabá, Carlos Henrique Haddad, condenou José Batista Gonçalves Afonso a uma pena de dois anos e cinco meses. Na mesma sentença, o juiz condenou também à mesma pena Raimundo Nonato Santos da Silva, ex-coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará.

De acordo com nota da Comissão Pastoral da Terra, o fato que originou o processo aconteceu em abril de 1999. Inconformados com a lentidão do Incra no assentamento de milhares de famílias sem-terra acampadas e com a precariedade dos assentamentos existentes, mais de 10 mil trabalhadores rurais de acampamentos e assentamentos da Fetagri e do MST montaram acampamento em frente ao escritório do órgão em Marabá. Somente após 20 dias acampados é que o governo decidiu se reunir com os trabalhadores e negociar a pauta de reivindicação.

Devido à demora de uma reunião entre representantes de trabalhadores e órgãos públicos, o povo já cansado e com fome, perdeu a paciência e entrou nas dependências do Incra, ficando em volta do auditório e impedindo a saída da equipe de negociação do prédio durante o resto da noite e início da manhã do dia seguinte. O advogado José Batista, que fazia apenas seu papel de assessor do MST e da Fetagri nas negociações, se retirou do prédio logo após a ocupação em companhia de Manoel de Serra, presidente da Contag, e Isidoro Revers, coordenador nacional da CPT à época, para tentar mediar o conflito. Mesmo assim foi processado junto com várias outras lideranças, acusado de ter impedido a equipe de sair do prédio.

Em abril de 2002, o Ministério Público propôs suspensão do processo, mediante pagamento de seis cestas básicas por cada um dos acusados e comparecimento mensal à Justiça Federal, o que foi aceito por José Batista e demais acusados. Ainda durante o cumprimento das condições, a Polícia Federal indiciou novamente José Batista, e teve início outro processo, em razão de um segundo acampamento dos mesmos movimentos em frente ao Incra. Novamente foi proposto a ele o pagamento de cestas básicas para a suspensão do segundo processo, tendo sido aceita a proposta. Cumpridas as condições impostas no primeiro processo e, no momento do MPF requerer a extinção do mesmo, outro juiz (Francisco Garcês Júnior) assumiu a vara federal de Marabá e, sem nenhum fato novo, sem ouvir o MPF, anulou todas as decisões do seu antecessor e determinou o seguimento dos dois processos contra Batista e Nonato. O segundo processos prescreveu no ano passado e o primeiro resultou na atual condenação.

(Só para lembrar: Garcês foi o mesmo juiz que deu várias liminares a fazendeiros escravagistas que pediam para ter seu nome retirado da "lista suja" do trabalho escravo do governo federal. Quem parace na lista perde crédito em bancos e clientes do setor privado. Não se pode reclamar que o juiz não seja coerente em suas posições.)

Segundo a nota, que também é assinada por diversas organizações, a decisão do atual juiz federal de Marabá é política e demonstra claramente o processo de criminalização imposto pela Policia Federal e a Justiça Federal de Marabá contra as lideranças dos movimentos sociais da região, que há décadas vêm enfrentado a violência de latifundiários e madeireiros locais bem como a perseguição da companhia Vale.

A parcialidade do juiz ficou evidente não só no fato da condenação, mas também na definição da pena. O crime de cárcere privado, imputado ao advogado, prevê pena mínima de um ano e máxima de três. Ele foi condenado à pena de dois anos e cinco meses de reclusão, agindo o juiz em contra-senso de entendimento por ele próprio expressado na sentença ao afirmar que: "É possível que não tenha incitado a invasão da sede do Incra pelos trabalhadores rurais e parece crível que não teria condições de controlar a multidão exaltada". Diz também a sentença que houve emprego de grave ameaça contra a pessoa, mesmo não havendo nenhuma prova de tal fato no processo. Alegando isso, o juiz negou ao advogado o direito da pena alternativa.

De acordo com a CPT, tudo indica que a decisão do juiz tem a intenção de afastá-lo de suas atividades de defensor dos direitos humanos na região. Nos últimos anos, a CPT através de seus advogados vem travando uma dura luta no poder judiciário pela condenação dos mandantes do assassinato da missionário Dorothy Stang, do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, bem como, fazendo a defesa de centenas de lideranças dos trabalhadores em processos contra a empresa Vale. Será pura coincidência essa decisão do juiz federal nesse contexto quando os advogados da CPT ao defender os direitos humanos e ambientais estão ferindo os interesses de grupos econômicos poderosos da região?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.