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Leonardo Sakamoto

Pela liberdade de expressão nos anúncios e propagandas

Leonardo Sakamoto

15/07/2008 14h39

Não vou fazer uma discussão sobre até onde deve ir a liberdade de expressão. Apenas lembrar que há limites do que se pode fazer ou falar, estabelecidos através da análise do que podemos causar de dano real à vida de outras pessoas. Ontem, em um congresso de propaganda, representantes de veículos de comunicação bradaram aos quatro ventos que há mais de 300 projetos restringindo a liberdade de expressão comercial no Brasil. Um ultraje! Dei uma olhada em alguns deles e há aqueles bizarros que ferem a Constituição, mas há outros muito bons, que ajudam a proteger o cidadão de preconceito, racismo, machismo, intolerância – isso sem contar os produtos que colocam em risco a saúde das pessoas.

Alguns representantes de canais de TV e de agências de publicidade reclamavam que as empresas têm o direito de se expressar ao vender seu produto da mesma forma que os jornalistas o têm ao noticiar algo. Pergunto-me, então, se isso significa que os grande grupos empresariais vão começar a dar os "dois lados" ao vender um produto. Ter informação é fundamental para poder ter liberdade de decidir. Então, que se abram as caixas pretas. Veríamos propagandas como essas:

"Esse carro sobe qualquer montanha com seu novo sistema de tração nas quatro rodas. Mas, cuidado! Ele tem uma tampa de bagageiro que pode decepar seu dedo, pois o projeto desse utilitário foi feito às pressas para que a empresa ganhasse mais dinheiro."

"Este novo modelo de celular também é MP3, máquina fotográfica, agenda, acessa a internet, lava, passa e cozinha. Mas a cada 100 produzidos, um deles tem uma bateria que vai estourar provocando graves queimaduras."

"O patê é o must. Nem dá para perceber que quatro gansos foram enjaulados e obrigados a serem alimentados por sonda noite e dia até que seu fígado, inchado, estivesse do tamanho de uma bola de tênis e ideal para ser utilizado."

"Fume este cigarro. E não se preocupe: o sistema público de saúde do país possui ótimos hospitais para tratamento de câncer."

"Esta calça é para quem tem estilo. Apesar do seu custo de produção ser baixo, por ter sido feita por imigrantes ilegais bolivianos escravizados no bairro do Bom Retiro, jogamos o preço para cima. Dessa forma, você pode ficar tranqüilo que não vai ver um pobre pé-rapado usando a calça."

"Este combustível é ótimo, faz com que o motor do seu carro dure 30% a mais. Mas há um efeito colateral: ele possui tanto enxofre na fórmula que contribui mais do que qualquer coisa com a poluição das grandes cidades."

Se for assim, vamos lutar para a liberdade de expressão total e sem restrições nas propagandas! Certamente, com os anunciantes e veículos de comunicação falando a verdade sobre o que oferecem a nós, teremos um país mais consciente na hora de comprar e, portanto, um desenvolvimento mais sustentável.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.