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Leonardo Sakamoto

Condomínio em SP pune quem usa bicicleta como transporte

Leonardo Sakamoto

22/07/2008 12h03

São Paulo é uma capital que anda na contramão da civilidade. Enquanto grandes cidades se esforçam para implantar meios de transporte menos poluentes e, ao mesmo tempo, diminuir os problemas de trânsito, o poder público por aqui constrói avenidas e viadutos. Por exemplo, ciclovias, que são o símbolo do respeito à cidadania e ao meio ambiente em qualquer lugar do mundo, são implantadas apenas para lazer, como no canteiro central da avenida Sumaré. Nada de criar uma malha para que as pessoas possam usar bicicletas no seu dia-a-dia e não morrer atropelado.

E a culpa não é só da prefeitura. Há um preconceito grande também por parte de quem tem carro. São poucos os que respeitam ciclistas no trânsito, como se as ruas e avenidas fossem locais exclusivos para quem queima combustível.

Agora, o preconceito desceu às garagens dos condomínios.

A carta, abaixo, que recebi de um pneumologista do Hospital das Clínicas, o mais importante centro médico do país, é bastante representantiva dessa cultura consumista e fetichista, que transfere a busca da felicidade à compra de um veículo automotor. E pune quem ousar ir contra essa corrente estúpida e pensar no futuro da cidade.

Enquanto o planeta todo busca soluções sustentáveis para os crescentes problemas de congestionamento das metrópoles, a elite paulistana parece andar na direção contrária. Moro em um prédio de classe média alta em Pinheiros onde assisti, recentemente, ao triste episodio de boicote às bicicletas no condomínio e à proibição de colocá-las no estacionamento do prédio. Sem nenhuma justificativa cabível, os moradores decidiram proibir totalmente qualquer pessoa de guardar bicicletas no estacionamento do edifício "Grand Space Pinheiros" que, segundo esse raciocínio retrógrado, deve abrigar somente o meio de transporte que consideram mais nobre, o carro. Sou pneumologista do Hospital das Clínicas, costumava ir ao trabalho pedalando e sem poluir o meio ambiente. Portanto fico perplexo com esse tipo de imposição que nos obriga a aumentar o trânsito e a poluição na cidade. Iniciativas como essa separam o Brasil do Primeiro Mundo. E não as diferenças entre as marcas e preços dos veículos que circulam aqui e na Europa.

André Nathan
Médico pneumologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.