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Leonardo Sakamoto

Um PC 486, um spam e o maior e-mail do mundo

Leonardo Sakamoto

20/10/2008 18h32

Este post não tem relação nenhuma com os temas deste blog. Mas como eu estava refletindo sobre a velocidade com a qual o mundo mudou, achei pertinente.

No início da década de 90, chegou à casa dos meus pais um PC-AT 486. Na época, era uma sensação – não havia nada mais rápido. Meu pai atua com engenharia, então aquilo era visto como um instrumento de trabalho necessário e não um "brinquedo" – como ressaltava a minha mãe. Ou seja, havia até certa reverência à máquina branca, que desbancou a televisão e um vaso de estimação e ocupou o lugar de objeto mais importante da sala.

Os programas vinham em vários disquetes de 5¼ ou 3½ e levavam horas para serem instalados. Mas quem se importava? O ruído da impressora matricial mastigando a fita – que fazia o cachorro latir e só podia ser usada durante o dia, pois à noite acordava os vizinhos – era o estado da arte da tecnologia.

E, é claro, havia o acesso à rede. O computador da casa tinha uma placa de modem discado de 2400 bps de velocidade, com a qual eu acessava BBSs e trocava arquivos com amigos.

Um dia especial foi quando criei meu primeiro e-mail. Hoje, olhando daqui, me sinto um completo idiota. Com medo de não ser achado ou ser confundido com outra pessoa, criei o endereço leonardo.moretti.sakamoto@interconnect.com.br. Tirando os informes do provedor, nunca recebi uma mensagem sequer.

Feito esse preâmbulo, chego à história que motivou o post.

Na época, um amigo me ligou para fazer uma consulta:

– Cara, você que sabe dessas coisas de tecnologia [ter um computador em casa dava, imediatamente, um título honoris causa em tecnologia – mesmo que a pessoa não soubesse o que era um HD. E se eu tivesse ganhado um poodle, seria especialista em tosa?], me explica como é que eu faço para mandar um e-mail para todo mundo.
– Todo mundo quem, amigos, família?
– Não, não sacaneia. Você entendeu: todo mundo.
– Todo mundo quem?
– Todo mundo, o mundo inteiro. Todos. Sabe a loja do meu pai? Então, ele pediu para eu mandar um e-mail para todo mundo que tem e-mail fazendo uma propaganda [assim nasceu o spam…]
– Sei lá se dá. Coloca "all" no destinatário, de repente chega para quem você tem registrado.
– Sabe de uma coisa, você é o maior picareta, não entende de nada mesmo. Vou deixar em branco. Acho que deve dar.

Anos depois, meu pai vendeu o 486 e comprou outro, mais novo. Lembro que minha mãe ficou possessa porque iam pagar apenas uma parte ínfima do valor que havíamos pago, em suadas e longas prestações. Não adiantou falar que a tecnologia avança, barateira, Lei de Moore, essas coisas. Se o carro podia ser vendido por mais da metade do preço de compra, por que o micro não?

Acabei de fazer um download de um arquivo de 50 Mb. Demorou menos tempo que escrever este post. Ou seja, a tecnologia me fez ganhar muito tempo nas duas últimas décadas.

Tempo que alguém comeu, porque eu não vi.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.