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Leonardo Sakamoto

Dona de hotel em Natal é flagrada com escravos no Pará

Leonardo Sakamoto

22/11/2008 12h41

Entre o final de outubro e o início de novembro, uma ação do grupo móvel de fiscalização do governo federal libertou cinco trabalhadores da fazenda São Judas Tadeu, em São Félix do Xingu, no coração do Estado do Pará. Porém, nenhum deles recebeu ainda os seus direitos trabalhistas, apesar do empregador ter recursos para tanto.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, a propriedade, destinada à criação de bois, possui cerca de 5 mil hectares e é de propriedade de Coracy Machado Kern, dona do hotel Natal Dunnas, em Ponta Negra, região turística da capital potiguar.

Em sua página na internet, o Dunnas cobra diária de R$ 320,00 para a suíte master – valor não muito distante de um salário mínimo. Veja uma imagem em 360 graus do hotel.

Em junho e setembro, trabalhadores fugitivos denunciaram trabalho escravo na propriedade. O número de libertados seria maior, mas diante das péssimas situações a que estavam submetidos, muitos trabalhadores tentaram e conseguiram ir embora.

"Gatos" (contratadores a serviço do fazendeiro) aliciaram pessoas para a derrubada de mata. Os alojamentos eram precários e o mato fazia papel de banheiro. A água utilizada para beber, cozinhar, tomar banho e lavar roupa era a mesma usada pelo gado, que deixavam por lá seus excrementos. A alimentação era composta de arroz, feijão, farinha e carne estragada. Pessoas chegaram a adoecer por causa da qualidade da comida, mas não tiveram socorro médico. A fazenda possuía uma cantina que vendia botina, foice, esmeril, lima (equipamentos de proteção individual que deveriam ser fornecidos gratuitamente), além de fumo, caderno, sabão. Todos os objetos eram anotados em um caderno de dívidas pelo gato e descontados dos trabalhadores, resultando em servidão por dívida. Eles não recebiam salário.

Há trabalhadores que permaneceram por mais de um ano ligados à fazenda. Segundo eles, foram vítimas de humilhações. As péssimas condições de trabalho na fazenda levaram a equipe móvel a lavrar 47 autos de infração.

Apesar de tudo isso, Coracy se negou a pagar o montante devido (que soma R$ 99.729,15, de acordo com informações do Ministério do Trabalho e Emprego). O grupo móvel negociou por uma semana, mas a empresária não teria demonstrado preocupação com a situação dos empregados.

Diante disso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitou à Justiça do Trabalho de Xinguara o bloqueio das contas bancárias da empresária para possibilitar o pagamento dos trabalhadores. Para impedir o bloqueio, a fazendeira pediu para que uma caminhote fosse dada como garantia.

Por enquanto, eles vão receber apenas o seguro-desemprego garantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego aos libertados da escravidão. Porém, o recurso só começa a ser liberado mais de um mês após a libertação. Até lá, eles devem contar com a própria sorte.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.