Dendê: herói ou vilão?
Alguns empresários do biodiesel apontam que a próxima geração de agrocombustíveis irá incluir o querosene (com grande uso na aviação) a partir do dendê, o que geraria mais demanda de áreas para essa cultura no país. Realizamos, aqui na Repórter Brasil, um estudo sobre essa palmácea e suas possibilidades para a produção de combustíveis e o que encontramos são prognósticos preocupantes.
Produzido principalmente na Malásia e na Indonésia, o óleo de dendê tem espaço consolidado no abastecimento das indústrias alimentícia e cosmética da Europa, do Japão e dos EUA, e sua utilização para produção de biodiesel, destinado sobretudo ao consumo interno dos países de origem, tem crescido à medida que é usado como mecanismo regulador dos preços internacionais do óleo bruto. Porém, a valorização ascendente do óleo de dendê no mercado mundial desde a década de 1990, acabou causando uma catástrofe ambiental e social na Indonésia, na Malásia e em outros países asiáticos, onde extensas áreas de floresta foram substituídas pela palma e milhares de pequenos agricultores, expulsos de suas terras.
Tratado como "herói da economia" pelo mercado (se os usineiros da cana são "heróis" para o nosso presidente, o dendê tinha que ser herói para alguém…), a palmácea tem a maior produtividade de óleo por hectare dentre todas as oleaginosas comerciais e é vista por ambientalistas e defensores dos direitos humanos como um dos grandes vilões socioambientais do mundo.
No Brasil, onde, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocupa pouco mais de 96 mil hectares, o dendê ainda não teve seu papel definido. Do ponto de vista biológico, o dendezeiro tem características que o tornam uma espécie apropriada em processos de recuperação de áreas degradadas na Amazônia e, do ponto de vista social, a cultura tem revelado grande potencial de geração de empregos, já que todo o seu manejo é manual.
Na Bahia, onde ocorre em cerca de 45 mil hectares, também acabou tornando-se um importante esteio da agricultura familiar, que o explora de forma extrativista e em pequena escala. Cultivado mais extensivamente no Pará e no Sul da Bahia, o dendê brasileiro ainda não está na lista dos grandes vetores do desmatamento ou dos conflitos socioambientais. Mesmo porque, se comparado à soja – com seus 21 milhões de hectares plantados, é um dos grandes vilões do Cerrado e da Amazônia Legal, onde, até 2004, 1,2 milhão de hectares da floresta foram convertidos em lavouras do grão – sua importância é pequena.
Esta situação pode mudar com a aprovação de uma alteração no Código Florestal, que permitirá, entre outros, a recuperação obrigatória das reservas florestais na Amazônia – 80% das propriedades rurais, segundo a lei vigente – com espécies exóticas. A medida é vista com simpatia pelo governo federal e ferrenhamente defendida pela bancada ruralista do Congresso Nacional, que estimam em cerca de 70 milhões de hectares as áreas degradadas da região, passíveis de serem utilizadas para o cultivo de dendê. Já ambientalistas e movimentos sociais, por sua vez, opõem-se ao projeto, apelidado de "Floresta Zero", por considerarem que sua aprovação efetivamente diminui a reserva legal e fortalece o modelo de exploração predatória do bioma.
À revelia de posicionamentos técnicos e políticos, devem ser consideradas as seguintes questões sobre as possibilidades do projeto de expansão do dendê na Amazônia, pelo menos no curto prazo: primeiro, se liberado para o plantio de exóticas, grande parte das áreas degradadas não será utilizada no cultivo do dendê, mas convertidas em reflorestamentos de eucaliptos ou outras espécies para produção de carvão (para a indústria siderúrgica), papel e celulose, atendendo a demandas de mercado mais imediatas. Segundo, de acordo com especialistas do setor, o país simplesmente não possui sementes suficientes para aumentar vertiginosamente sua dendeicultura, como também não tem mercado ou estruturas para o processamento do dendê.
Por outro lado, as áreas degradadas não são contínuas, e a implantação de grandes projetos de plantio obrigatoriamente levaria a desmatamentos das faixas intermediárias de floresta. Os impactos de uma dendeicultura massiva sobre um bioma tão megadiverso como a Amazônia também são imensuráveis, assim como são imprevisíveis os efeitos sobre as comunidades tradicionais e sobre a agricultura familiar da região.
Quanto à participação do dendê na produção de biodiesel, a porcentagem do óleo convertido em agrocombustível é muito pequena. O dendê no Norte, assim como a mamona no Nordeste do país, goza de incentivos especiais se vinculado ao Selo Combustível Social do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), mas o baixo preço pago pelo combustível, se comparado ao do óleo cru, não tem se mostrado economicamente compensador.
As características positivas poderiam fazer do dendê uma alternativa econômica bem-vinda para a agricultura familiar, se cultivado em sistemas agroflorestais, em pequena escala e de forma autônoma. Mas esta não parece ser a opção prioritária das políticas públicas. Não obstante sua alta rentabilidade, o cultivo de dendê em larga escala tem um alto custo de implantação e manutenção, modelo que tende a transformá-lo em exclusividade do grande agronegócio, com eventuais projetos de integração da agricultura familiar.
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