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Leonardo Sakamoto

Sugestão de pauta: o que é ser brasileiro?

Leonardo Sakamoto

20/12/2008 02h21

Posto uma humilde sugestão de pauta para algum jornalista ou cidadão curioso.

Antes de mais nada, vale dizer que para essa pergunta não há respostas consensuais. Desde o século 19, buscam-se parâmetros para explicar o que faz do sujeito que nasce nessa porção intertropical de terra único e o que mantém mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados sob os cuidados de um mesmo grupo. A língua portuguesa e a religião católica não são causas, mas sim conseqüências, símbolos do que nós somos. O jeitinho brasileiro, vertente simpática da corrupção e do apadrinhamento, as relações no trabalho, a paixão pelo futebol, o tipo de comida que ingerimos são todas elas conseqüências de uma formação histórica que, se não resume, ajuda a nos explicar. A "brasilidade", na verdade, é a nossa maneira particular de construir e perceber a realidade.

Texto principal
Tamanho: 15 mil.
Fotos para retratar as comunidades
Ilustrações para tratar do tema histórico

O melhor fio condutor para esse é mostrar como, ao longo do tempo, foi a saga pela busca de uma identidade do país. Como jovem nação, poucos anos de independência e menos ainda de liberdades individuais, sempre houve ânsia no sentido de buscar quem somos para assim tentar descobrir para aonde vamos. Muitas produções que surgiram desse esforço são hoje engraçadas do ponto de vista contemporâneo, mas eram levadas a sério antigamente. Hoje, não há uma teoria explicativa da identidade nacional largamente aceita, mas considera-se que houve uma evolução na maneira como se considera o "ser brasileiro".

Porém, acho um porre para o leitor um texto guiado apenas por isso. A idéia é que essa busca pela identidade seja entrelaçada com histórias de gentes e comunidades de diferentes pontos do país para que o mundo não fique só na teoria, que nunca explica tudo. A história da busca pela identidade brasileira seria feita em um paralelo com a história da busca pela afirmação e reconhecimento da identidade dessas pessoas e comunidades. No país, temos milhões de pessoas que simplesmente não existem diante da opinião pública e governo. Não estou falando de pobreza, mas do processo de afirmação enquanto pessoa, grupo, cidadão. Os pontos de junção entre as duas "sagas" seriam exatamente as características que faz essas pessoas comungarem com a identidade do restante do país. Repito: a idéia não é de falar de mazelas sociais, mas mostrar como essas buscas pela identidade se completam.

Tenho sugestões:

•Imigrantes bolivianos ilegais do Pari e Bom Retiro, região central de São Paulo (SP)
•Guaranis da terra indígena de São Miguel das Missões (RS)
•Comunidades ribeirinhas na Terra do Meio (PA)
•Trabalhadores nordestinos e gaúchos na fronteira agrícola do Mato Grosso (MT)

Um importante fator que forçou a união nacional e tentou forjar uma identidade foi o próprio Estado (leia-se como "Estado", os detentores do Estado, ou seja, as elites econômicas, burocráticas, políticas e midiáticas), consolidando assim sua própria integridade e poder após a proclamação da República e o "fim" da escravidão. A reportagem também mostraria isso: como a elite tentou moldar uma identidade, lançando para frente os problemas sociais através do discurso do "país do futuro". E quais foram os instrumentos utilizados para isso, das rádio-novelas às telenovelas, do futebol à Fórmula 1.

Desde o final do século 19, durante o romantismo, pensadores, poetas, políticos, intelectuais, músicos, tentam definir o quais os valores – se é que existem mesmo – que estão por trás do brasileiro e o que une o país como povo. Pulando algumas décadas (afinal de contas, isso é uma pauta) temos grandes ensaios – Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda) e a Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Júnior). Não são unanimidades, muito pelo contrário. Porém, as análises deles servirão para apresentar dois elementos importantes:

A herança portuguesa do patriarcalismo e o do patrimonialismo, que dão subsídios para entender como funcionam as relações sociais e políticas do país hoje. O conchavo, o apadrinhamento, o jeitinho brasileiro, o "sou amigo de fulano", a fusão do público e do privado, entre outras coisas. E a herança da economia. O Brasil não foi concebido como uma colônia de povoamento, mas sim de exploração. Por causa disso, nossos ciclos históricos são delimitados pelo o que podíamos oferecer para o exterior (madeira, ouro, cana, café…) Mostrar como o latifúndio-monocultura exportadora-escravidão moldou as relações de trabalho e de produção, a visão e o comportamento da elite e das classes populares.

Isso tudo não teria a pretensão de explicar, mas de fomentar mais perguntas ainda. Ou seja, seria um bom texto de reflexão. O que precisamos cada vez mais nesses dias em que chamam indígenas de intrusos e imigrantes de vagabundos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.