Um presente de Natal dos empresários aos trabalhadores
Eu já havia criticado neste espaço a posição do presidente da Vale ao defender cortes "temporários" nos custos trabalhistas para que as empresas pudessem enfrentar a crise (da redução aos dividendos pagos aos acionistas ele não disse nada, claro). Esse discurso foi seguido de perto pelos de outros empresários, mas recebeu severas críticas por parte de sindicatos, parlamentares e até do presidente Lula. O que mostra que qualquer tentativa de mexer com direitos adquiridos – que não transformam a vida do trabalhador em paraíso, mas garantem um mínimo de dignidade – será duramente rechaçado nas ruas.
Isso, é claro, não impediu que o nhe-nhe-nhém golpista continuasse sendo trazido à baila. O próprio presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado federal Armando Monteiro Neto (PTB-PE), vem defendendo a flexibilização como fundamental para a preservação da economia. Ironicamente, o irmão de Monteiro é proprietário de usina que já foi flagrada repetidas vezes com mão-de-obra análoga à de escrava no Mato Grosso. E que, devido à pressão social e aos problemas trazidos à imagem dessa empresa, acabou fazendo o caminho inverso do que defende Monteiro, no sentido de adequar-se à legislação trabalhista.
Hoje, no jornal Folha de S. Paulo, um artigo de Guilherme Afif, secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, e do professor da Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, defendem a suspensão do contrato de trabalho para enfrentar os momentos difíceis da economia. Durante esse período, grosso modo, o governo federal pagaria parte do salário, via seguro-desemprego, e a empresa seria desonerada enquanto aguarda tempos melhores. Segundo eles, porque "diante da possibilidade concreta de demissões, os trabalhadores prefeririam manter seus empregos com as empresas em que trabalham".
Isso na minha terra se chama chantagem: ou é isso ou a rua. E uma terceira opção? Eles dizem que o Fundo de Amparo ao Trabalhador, público, de todos nós, tem recursos para tanto, e as grandes empresas? Também não têm? Se fossem pequenas empresas, que lutam mesmo para sobreviver, entenderia melhor. Mas com as grandes, isso soa ridículo. E, acredite, não é a padaria do seu Manoel que está pressionando por esse instrumento entrar em vigor.
Em outras palavras, quando estivermos em tempos de grandes lucros, os trabalhadores voltam ao serviço, quando as dificuldades chegam, são mandados para casa e toda a sociedade paga parte do custo da operação. Novamente, privatizam-se os lucros e socializam-se as perdas. Nem uma palavra é dita com relação a usar o caixa dos dividendos obtidos em anos de pujança nesse momento. Ou grandes acionistas injetarem mais dinheiro, comprarem mais ações. Se é que esse dinheiro ganho pelos donos da banca ainda está no Brasil…
Os defensores dessa proposta dizem que na Europa desenvolvida, ela é costumeira. Desconsideram que por lá os sistemas públicos de saúde, educação, transporte, lazer e cultura, por exemplo, funcionam, ao contrário daqui. Ou seja, entrar em stand by, não significa ter de tirar o filho da escola ou parar de pagar o plano de saúde. E que a rede de proteção ao cidadão é bem forte do que no Brasil, em muito por conta do Estado brasileiro ter ao longo de sua história servido aos interesses do capital, agido para aumentar lucros e viabilizar o enriquecimento de alguns, em detrimento da grande maioria que ficou de fora (e foi alvo) do butim. (Há também o fato de que muitos países europeus sustentam seu sistema de proteção social nos impostos cobrados sobre as escorchantes remessas de lucros advindas de empresas em países da periferia mundial, como aqui. Ou seja, a gente, em grande parte, ajuda a sustentar o Estado de bem-estar social europeu. Mas isso é história para outro post.)
Acredito na eficiência de negociações de sindicatos fortes com empresas no sentido de buscar as melhores alternativas às demissões, mas o governo e a sociedade devem zelar para que tudo fique dentro de um patamar mínimo de respeito social. Há propostas na mesa, como a redução de salários mediante proporcional redução de jornada (os defensores da precarização do trabalho querem apenas a primeira parte), entre outras. Além disso, é hora de aumentar políticas anticíclicas para a crise, como estímulos ao comércio interno. E isso não se faz reduzindo direitos, mas, pelo contrário, aumentando a capacidade de compra de consumidores.
Mas, sobretudo, é hora de quem ganhou mais nos últimos anos sacrifique-se mais do que quem trabalhou para isso acontecer.
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