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Leonardo Sakamoto

Vai viajar de avião neste final de ano?

Leonardo Sakamoto

23/12/2008 18h26

Mais da metade dos vôos com atrasos no país nesta terça (23) foram de responsabilidade da Gol Linhas Aéreas e da Varig, sua recente aquisição. Consumidores têm suas passagens remarcadas sem serem consultados, o tratamento ao passageiro pelas centrais de atendimento é péssimo. O Procon de São Paulo notificou a empresa, que já emitiu uma nota pública dizendo que os problemas eram pontuais e foram sanados ontem. Culpa-se uma esteira de bagagens aqui, São Pedro acolá. O ministro da Defesa chegou a dizer que faltava gente para o serviço que a companhia tentava oferecer: "Há um problema de operações na Gol. A empresa teve um problema com corte de funcionários, que agora estão fazendo falta".

Hoje, no saguão do aeroporto de Congonhas e de Brasília, algumas das pessoas que reclamam da situação são as mesmas que aplaudiram o modelo de sucesso implantado pelos criadores da companhia. O seu presidente, Constantino Júnior, já foi ovacionado, postado em capa de revista, tido como exemplo. Diminuir custos ao essencial. Ou, como parece agora, indo aquém dele. Pois, ao que podemos perceber pelas palavras do ministro, não é apenas na barra de cereais que eles economizaram.

Vale lembrar que, nos últimos anos, a Gol também fez parte do noticiário negativo. Com exceção da queda do seu avião no Mato Grosso, a maioria dos casos envolveu Nenê Constantino, pai do presidente, um dos donos da empresa e também do grupo de viação Áurea. Alguns exemplos: flagrante de trabalho escravo em sua fazenda na Bahia; envolvimento em um escândalo com a participação do então senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), que acabou renunciando ao cargo; indiciamento como mandante do assassinato de um líder comunitário no Distrito Federal por disputa de um terreno de uma garagem.

O objetivo deste post não é infernizar mais ainda Nenê, que já tem problemas demais. E nem dizer qual empresa é melhor do que outra, porque as concorrentes já demonstraram que também precisam melhorar no quesito respeito ao consumidor e segurança dos passageiros. Ou seja, não estou travando aqui uma discussão comercial. Mas gostaria de lembrar como a mídia e a sociedade incensam heróis e modelos a serem seguidos sem atentar-se para a gravidade disso. Gerar lucro, apesar de pedra fundamental do capital, não deveria ser a principal virtude a ser perseguida, muito menos copiada cegamente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.