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Leonardo Sakamoto

As vendas crescem e precisamos cortar direitos?

Leonardo Sakamoto

27/12/2008 12h04

As vendas neste Natal cresceram em comparação às do ano passado, mas foram em um ritmo menor do que o esperado. Em outras palavras, em um embalo mais fraco do que a expressiva toada de crescimento vivenciada em 2007 e em boa parte de 2008. De acordo com a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), as vendas em dezembro cresceram 3,5% em comparação com o mesmo mês do ano passado.

Dois comentários: primeiro, reflexos da crise já se fazem sentir no comércio, nem tanto pela falta de dinheiro em si no bolso, mas pela cautela do consumidor em gastar. Bombardeado com tanta notícia ruim é claro que a percepção de crise no cidadão comum seja maior do que os efeitos da própria, apesar do apocalipse não estar tão perto quanto a mídia e os "especialistas" alardeiam por aqui. Segundo, mesmo com tudo isso, as pessoas foram às compras. Não vou computar isso na conta do presidente, dizendo que milhões atenderam ao seu pedido de consumir para fortalecer o mercado interno e espantar a crise, mas é fato que ele apostou e teve sucesso.

De qualquer maneira, 3,5%, em um cenário internacional tão sinistro, é uma boa notícia. Apesar disso, os "especialistas" (vai entre aspas porque minha cachorra cega e surda de 17 anos acerta mais previsões de cenários do que eles. Aliás, eu deixaria meu fundo de investimento – se tivesse um – na pata dela e não na mão de muitos deles, mas isso é uma outra história) tratam esse crescimento como uma má notícia.

Quando interessa, aparecem comparações com a situação atual em economias pelo mundo. Quando não interessa eles fecham a comparação considerando a situação interna brasileira ao longo do tempo? O ano passado e o primeiro semestre deste foram excepcionais, economicamente falando. Crescer 3,5% é bastante, tendo em vista a situação e a base de comparação.

Ouvi uma entrevista no rádio de Nabil Sahytoun, presidente da Alshop, dizendo que eles esperavam o dobro desse crescimento em vendas e explicando como foi o Natal dos lojistas. Preocupado, quer a flexibilização dos direitos trabalhistas para que o comércio possa agüentar a fase difícil que se aproxima e não demitir. Culpa encargos como o FGTS e o INSS pagos mensalmente, taxando-os como entraves. Pede que o governo reflita sobre isso e diz que vai atuar para as mudanças necessárias.

Não acho que seja fácil para micro e pequenas empresas, com baixos lucros, arcarem com todos os impostos e tributos. Mas eles fazem parte da regra do jogo, da mesma forma que o direito ao lucro em uma sociedade capitalista também é, e são importantes para garantir qualidade de vida para o empregado, seja através da criação de uma poupança própria que lhe dê perspectivas no futuro e uma garantia maior em caso de demissão, seja pela manutenção de um sistema público de seguridade social. Que se mostra cada vez mais necessário em um mundo em que os sistemas privados de previdência, antes vistos como a alternativa, vão mostrando que são frágeis. Um empregado com qualidade de vida melhor rende mais e trabalha melhor. Há um retorno em produtividade que vai além dos cálculos de economia mensal.

Quanto às grandes empresas, não preciso nem dizer que muita gente entupiu os bolsos de dinheiro nos últimos anos, nadando de braçada. E agora os mesmos vêm chorar para o governo, dizendo que não têm condições de se manter? Façam-me um favor! Entre 2006 e 2007, as vendas de Natal em shoppings cresceram mais de 10%. E essa bonança toda, que, por exemplo, refletiu-se na construção de dezenas de novos shoppings neste ano, foi para onde?

E nem estou entrando no mérito de que são direitos conquistados com base em sangue e suor ao longo de décadas de lutas trabalhistas.

Ninguém nega que tempos difíceis virão, mas a situação deve ser tratada analisando-se caso a caso, dando espaço para negociações entre patrões, empregados e sindicatos, tentando atravessar esse período da melhor forma possível. E não aproveitar as nuvens negras que se avizinham no horizonte para aprovar em toque de caixa uma série de medidas que, há anos, estava no bolso de parte do empresariado para aumentar a lucratividade. Medidas que vão apenas manter o abismo de desigualdade.

No começo de outubro, o discurso era de "precisamos cortar custos trabalhistas porque senão iremos falir" (que, em muitos casos, era uma falácia). Depois, foi o "precisamos cortar custos trabalhistas para enfrentar esse período de turbulência internacional" (mantendo o lucro obtido até aqui intocado, é claro). O que ouvi no rádio vai na mesma linha, a do "temos que cortar direitos, senão iremos lucrar, mas menos do que gostaríamos". Não que o discurso de alguns empresários tenha se aprofundado nesse sentido. Mas nada como uma crise para dar um banho de sinceridade no significado das coisas.

Qual vai ser o próximo? É preciso cortar direitos porque…porque…porque sim, ora!

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.