Topo

Leonardo Sakamoto

Demissão de grevistas azedou lavouras de cana-de-açúcar

Leonardo Sakamoto

20/01/2009 18h06

"Foi quase uma Guariba". A frase é do sindicalista Zaqueu Ribeiro de Aguiar, da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), ao descrever o grau de conturbação que marcou a safra 2007/2008 na região de Ribeirão Preto (SP), umas das principais áreas canavieiras do país.

A referência é à histórica greve dos cortadores de cana ocorrida no município de Guariba, na mesma região, em 1984, e que reuniu cerca de cinco mil trabalhadores na luta por melhores salários. De acordo com Aguiar, 28 anos depois, em outubro de 2008, pelo menos 10 mil cortadores cruzaram os braços em diferentes cidades paulistas, como Colômbia, Viradouro, Terra Roxa, Morro Agudo, Pontal e Sertãozinho. Mas o movimento não se unificou e ficou isolado em cada usina.

Assim como na época de Guariba, as greves não surgiram de uma articulação sindical centralizada, mas foram fruto da insatisfação comum com a remuneração oferecida pelas empresas. Após as greves, muitas companhias aumentaram o piso salarial e o valor pago pela tonelada da cana, mas permaneceu um hábito que relembra o passado: a perseguição aos chamados "cabeças da greve" – trabalhadores considerados "mais conscientes" e que possuem influência sobre os outros.

O trabalhador rural Victor Ronaldo de Alencar, por exemplo, foi um dos 24 demitidos logo após uma greve de nove dias em setembro, na Usina Albertina, de Sertãozinho. Eles conquistaram algumas reivindicações, como ticket-alimentação e reajuste no preço da tonelada de cana cortada, mas os líderes perderam o emprego sob alegação de que não trabalhavam com eficiência. A Albertina foi a 111ª no ranking de moagem de cana da Unica na safra 2007/08, com 1,5 milhão de toneladas processadas, e produziu 33,7 milhões de litros de etanol nesse período.

O mesmo aconteceu com Raimundo Nonato de Souza, de 30 anos, que veio do Piauí para trabalhar no corte da cana na Usina Bela Vista, em Pontal. Depois de uma greve de 14 dias em setembro, e de ter participado da comissão de grevistas que negociou com a empresa, ele foi demitido por justa causa sob alegação de que não era um cortador eficiente. "E eu nunca havia tomado nenhuma advertência", disse Souza. Outros oito cortadores que trabalhavam nas usinas Bela Vista e Bazan, ambas do mesmo grupo, e que haviam participado da paralisação, também teriam perdido o emprego injustamente.

As usinas passaram a fazer parte de um mesmo grupo depois que a Bazan comprou a Bela Vista em 2002, em um negócio estimado na época em R$ 57 milhões. Na safra 2007/08, a Bazan foi a 37ª usina do Estado em moagem de cana, com 3,2 milhões de toneladas de cana processadas, e a Bela Vista foi a 58ª, com 2,4 milhões, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). A primeira produziu 101,2 mil litros de álcool e 274,4 mil toneladas de açúcar, e a segunda, 75,8 mil litros de álcool e 142,5 toneladas de açúcar.

A perseguição aos trabalhadores já recebe atenção da Feraesp. Segundo o sindicalista Aguiar, a federação adotou a estratégia de levar à Justiça todos esses casos, cobrando, inclusive, pagamento por danos morais aos trabalhadores. "E estamos obtendo vitórias", afirmou ele.

Esta história está no relatório sobre os impactos sociais e ambientais das lavouras e usinas de cana-de-açúcar que está sendo lançado pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil que deve ser lançado amanhã.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.