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Leonardo Sakamoto

Por contrapartidas sociais no crédito agropecuário

Leonardo Sakamoto

18/02/2009 15h52

Em sua primeira conversa com Lula à frente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) disse que a CNA fará auditoria em todas as fazendas com problemas trabalhistas e emitirá uma espécie de ISO a quem se adequar à lei. A informação é do jornal Folha de S. Paulo de hoje.

Certificar alguém por estar adequado à lei, como disse um amigo que conhece bem a área, é uma afronta à inteligência e um estelionato técnico. Esse tipo de política deve ser feita para ir além do patamar legal, uma vez que leis já existem para garantir o mínimo.

Se isso se concretizar, a CNA estará buscando um reconhecimento social para uma parte de seus associados que não fazem mais do que a sua obrigação. Além disso, qual o grau de credibilidade de uma auditoria oriunda de uma autofiscalização, uma vez que agricultores e pecuaristas são filiados à CNA?

Na mesma reunião, a senadora informou ao presidente que o setor agropecuário precisará de R$ 155 bilhões para financiar a safra 2009/2010, cerca de metade disso apenas para a produção de grãos. A justificativa seria a crise econômica, que diminuiu as atividades das tradings que financiam a produção. Essa seria uma boa hora para impor contrapartidas ambientais, sociais e trabalhistas aos empréstimos. Em outras palavras, dinheiro só se forem atendidas uma série de exigências além do marco legal, ações que vão garantir que a empregadores do setor agropecuário não continuem causando impactos negativos como trabalho escravo, trabalho infantil, desmatamento ilegal, contaminação com pesticidas, expulsão de comunidades tradicionais.

Bancos públicos já não podem emprestar para os empregadores que estão na "lista suja" do trabalho escravo do governo federal. E essa não é a única restrição financeira existente, mostrando que é possível exigi-las.

Isso poderia até ser feito em parceria com a CNA, com a entidade fornecendo dados às instituições públicas de crédito sobre os produtores que operam de forma ilegal – já que a entidade se mostrou interessada em auditá-los.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.