O retumbante fracasso da Justiça na Amazônia
Paulo Vieira, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará, criticou, em reportagem no Jornal Nacional nesta terça, a demora do governo estadual em desocupar propriedades rurais nas mãos de movimentos sociais. "O governo do Estado tem que ser ágil no cumprimento dessas reintegrações de posse. Senão, nós teremos aqui no Estado o império de cada um faz o que quer. Isso gera o fracasso da justiça no Estado do Pará."
Teremos? Tipo, no futuro? Faz me rir!
A Justiça no Pará já fracassou há muito tempo. Ou podemos considerar um sucesso uma justiça que há décadas ignora o direito dos excluídos? Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos, teríamos o maior post de todos os tempos.
Vamos a alguns exemplos. Na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, um dos mais atuantes na região, e assassinaram uma série de lideranças. De acordo com frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA), foi assassinado o primeiro presidente em 1985. "Depois, foi a vez de um dos líderes em 90 e seus dois filhos, que eram do sindicato. Foi assassinado, em 90, um diretor. E, em 91, mataram seu sucessor dele, além de outros que foram baleados. Passei da região do Bico-do-Papagaio para aqui a fim de ajudar na apuração desses crimes." Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Henri é ele mesmo um dos 204 marcados para morrer no Pará e vive sob escolta 24 horas por dia.
O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, vai completar 13 anos de impunidade no próximo 17 de abril sem que nenhum dos culpados esteja preso. A rodovia estava ocupada por uma marcha do MST que se dirigia à Marabá para exigir a desapropriação de uma fazenda, área improdutiva que hoje abriga o assentamento 17 de Abril. Dos 144 militares indiciados, os dois únicos condenados – o coronel Mário Pantoja (condenado a 228 anos) e o major José Maria de Oliveira (condenado a 154 anos de prisão) – foram postos em liberdade por decisão do Superior Tribunal Federal no final de 2005, depois de pouco menos de um ano de reclusão. Ambos estão aguardando em liberdade o resultado do recursos especiais apresentados às altas cortes. Os responsáveis políticos pelo massacre, o governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara, não foram indiciados.
Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos. Ela foi alvejada numa estrada vicinal de Anapu (PA). Ligada à Comissão Pastoral da Terra, Dorothy fazia parte da Congregação de Notre Dame de Namur, da Igreja Católica. Naturalizada brasileira, atuava no país desde 1966 e defendia os Programas de Desenvolvimento Sustentável como modelo de reforma agrária na Amazônia contra fazendeiros gananciosos. Ao todo, são cerca de 600 famílias beneficiadas coms os programas na região de Anapu. Um dos fazendeiros acusados chegou a ser julgado e condenado, mas depois foi absolvido em segundo julgamento. Outros estão na fila do tribunal, mas o fedor de impunidade paira no ar, apesar da pressão nacional e internacional.
Em 2008, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) afirmou que não havia mandante preso por crime relacionado à conflito agrário no Pará. A entidade contabilizava a morte de 819 pessoas em função de disputas por terra no estado de 1971 a 2007. Desse conjunto, foram instaurados 92 processos. Houve 22 julgamentos pelo Tribunal do Júri e apenas seis mandantes foram condenados – um está foragido, um morreu por causas naturais, um foi perdoado pela Justiça, dois aguardam novo julgamento em liberdade (o coronel e o major acima citados), envolvidos no Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996) e o sexto elemento é Bida, um dos acusados da morte da irmã Dorothy Stang, que foi posteriormente absolvido.
Se a declaração do presidente Paulo Vieira é diferente daquela que o presidente Gilmar Mendes deu recentemente contra o financiamento público de movimentos sociais ligados à luta pela terra, é, ao mesmo tempo, tão igual ao deixar claro que a Justiça tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, mas muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.
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