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Leonardo Sakamoto

Arcebispo ataca aborto, excomunga e faz papel ridículo

Leonardo Sakamoto

05/03/2009 08h39

O arcebispo de Olinda e Recife José Cardoso Sobrinho excomungou nesta quarta os médicos envolvidos no aborto legal feito por uma menina de nove anos, grávida de gêmeos do padrastro que a estuprava desde os seis anos de idade. O rapaz de 23 anos, que também violentava a outra enteada de 14 anos, foi preso ao tentar fugir.

"A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor", disse o bispo, que pertence à ala conservadora da Igreja Católica. Após ver que suas tentativas de intervenção não deram em nada e o aborto aconteceu, ele "condenou" os envolvidos.

"Os adultos, quem aprovou, quem realizou esse abordo, incorreu na excomunhão. A Igreja não costuma comunicar isso. Agora, a gente espera que essa pessoa, em momentos de reflexão, não espere a hora da morte para se arrepender", disse.

Ela tem 1,36 m e 33 quilos, ou seja, sem estrutura física (e psicológica) que sustente uma gravidez. Os médicos que a avaliaram temiam por sua vida caso a gestação continuasse. Vale ressaltar que a legislação brasileira garante o direito ao aborto em caso de estupro e risco de vida para a mãe – ou seja, ela se enquadrava nas duas situações. Organizações de direitos da criança e da mulher deram suporte à família e criticaram a intervenção do bispo.

Respeito os diferentes credos e o direitos de serem professados com liberdade. Mas nenhuma religião pode ter o direito de escolher quem vive e quem morre. O Código de Direito Canônico, que prevê a excomunhão em caso de aborto é de 1983, mas o instrumento tem um pé na Idade Média, na mesma linha dos métodos criados para causar medo e pavor. É o velho saudosimo com a inquisição que nunca sai de moda entre algumas batinas. Contudo, apesar do chilique clerical, os médicos e a família pensaram na saúde da criança.

O problema não é a excomunhão. Não conheço o credo dos envolvidos, mas não acredito que deixariam de seguir suas consciências e a lei por conta dessa idiotice. Mas o medo imposto a outras pessoas de perder o passe para a vida eterna se a mesma coisa acontecer com eles. Será que uma família mais devota, ao descobrir que o pai engravidou a filha que corre o risco de morte, não vai encobrir o caso com medo de punições divinas depois do alerta do bispo? Espero que isso não aconteça e que ele tenha falado apenas para as paredes.

Vale ressaltar que Sobrinho não foi o primeiro, nem será o último a falar e fazer besteira nesse sentido. Recentemente, o arcebispo da Paraíba, Aldo Pagotto, suspendeu o deputado federal e padre Luiz Couto (PT-PB) de suas funções como sacerdote porque ele defendeu o uso da camisinha e os homossexuais. Ou seja, tomou um gancho por fazer o que se espera de alguém que defenda a vida.

Este blog criou há dois anos o Troféu Frango, o mais tosco prêmio das bizarrices em geral. Dedico-o, com prazer, ao bispo José Cardoso Sobrinho pelos excelentes serviços prestados à Idade das Trevas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.