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Leonardo Sakamoto

A gripe suína e a mídia

Leonardo Sakamoto

30/04/2009 16h42

Manchester, Inglaterra – Para o azar dos leitores e leitoras, voltei. Não fisicamente, a bem da verdade. Estou no Velho Mundo para falar em um seminário sobre a economia global do trabalho escravo, mas já na ativa.

O problema de viver em um tempo em que qualquer boteco de beira de estrada tem uma parabólica e um ponto de acesso à internet é que dificilmente você vai conseguir desplugar por completo. Senti isso na pele. Não importa o quão longe e distante vá – e, acreditem, fui bem longe dessa vez para tentar fugir do mundo – o mundo vai estar lá, à espreita, para te dar o bote.  

Na Turquia, por exemplo, fiquei sabendo do jogo entre o Palmeiras e o Colo-Colo por um local que, trajando um uniforme da Academia, explicou que dividia com este que vos escreve a paixão pelo glorioso time. Outro história de porco, contudo, é a que está chamando a atenção.  A gripe suína já está em todos os lugares, soprada pela mídia. Só para comparar com dois nomes que rodam bastante por aí: no Google, há pouco, havia 104 milhões de resultados para "swine flu" enquanto "Jesus" aparecia com 189 milhões, sendo que este conta uma vantagem de cerca de dois mil anos sobre a tal da gripe. A Coca-Cola aparece com míseros 43,9 milhões.

Isso sem contar com a constante exibição em canais de TV, rádios. Dessa forma, não é de se estranhar que haja pessoas usando máscaras cirúrgicas na Turquia, apesar do país, até agora, não ter registrado um mísero caso suspeito. 

Não sei o quanto isso está sendo discutido por aí no Brasil, mas estou acompanhando um debate interessante sobre o papel da mídia nesse processo, através de artigos em alguns jornais ingleses. A virtude de ter uma mídia global, em que as notícias se espalham mais rapidamente que um vírus, é que isso pode ser usado para alertar a população e cobrar (e acompanhar) do poder público medidas preventivas e paliativas. Mesmo desconsiderando os avanços da medicina, é de se supor que com informação chegando à população, teriam ocorrido menos mortes durante a gripe espanhola no século passado, que matou dezenas de milhões.

Mas, ao mesmo tempo, sabemos o que acontece quando um tema com potencial explosivo cai nas graças da mídia. Não é raro ver a imprensa deixar o fato de lado e ir na direção da conjectura e mesmo do sensacionalismo, ganhando com o pânico ou a comoção, em busca de audiência. O mesmo ocorre entre internautas, que muitas vezes circulam fofocas e achismos, lendas urbanas, que morreriam diante da primeira checadela telefônica, mas que correm soltas em blogs e twitter. Já vi cada aberração de desserviço público nesses últimos dias que pelo amor de Deus. 

Como o cidadão pode, diante disso, filtrar o que é fato e o que não é se suas fontes de informação podem estar "contaminadas", por assim dizer? Além disso, é ingenuidade achar que esse mesmo processo midiático também não influencia a tomada de decisões por parte de governos, que estão aumentando estoques de remédios anti-virais (que não são baratos) para enfrentar a crise. Qual a quantidade realmente necessária e quanto vai ser excesso para lucro de indústrias farmacêuticas? O quanto esse processo não afeta as prioridades públicas?

Não estou dizendo, de maneira alguma, que a prevenção e o combate à gripe suína não devam ser prioridade pública.

Mas vale lembrar que a malária mata cerca de 2 a 4 milhões de pessoas por ano, todos os anos, contudo, como os seus defuntos moram em cafundós pobres, onde chegam sinais de TV e de internet, mas que não contam com saneamento básico e atendimento de saúde, ela não ganha o status de prioridade como esta epidemia por não trazer riscos aos mais ricos.

Em tempo: Do jeito que a minha saúde é uma droga e eu tenho aquela sorte, eu vou chegar gripado em São Paulo, por conta do frio que está fazendo aqui, e vão me botar de quarentena no aeroporto… 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.