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Leonardo Sakamoto

Ricos precisam de mais habeas corpus que os pobres?

Leonardo Sakamoto

22/05/2009 13h13

No último dia 20, o ministro do Supremo Tribinal Federal Marco Aurélio Mello (sempre ele…) negou um habeas corpus a uma mulher condenada a dois anos de prisão por ter roubado caixas de chiclete em Sete Lagoas (MG). Disse que como não era furto para matar a fome, e a ré já havia sido condenada por outros crimes, tinha que continuar no xilindró.

Como postei no blog em março, é verdade que o Supremo Tribunal Federal vem desconsiderando os furtos de pequeno valor como crime. Essa conduta não gera uma obrigação para todos os juízes e desembargadores de instâncias inferiores, mas sinaliza o que acontecerá com o caso se ele subir ao STF. E é uma tentativa da corte de mostrar que não são apenas os ricos e que têm acesso a advogados que conseguem decisões favoráveis no tribunal – como o bem conhecido caso do ministro Gilmar Mendes, que foi duramente criticado no ano passado por ter mandado soltar duas vezes o banqueiro Daniel Dantas. Marco Aurélio segue na contramão.

Anos atrás, uma amiga advogada me apresentou o princípio da insignificância, que pode ser aplicado quando o caso não representa riscos à sociedade e não tenha causado lesão ou ofensa grave. Roubar um pacote de macarrão para matar a fome de dois filhos em casa por exemplo ou um balde – tipo de coisa que apenas as pessoas (ou juízes) mais tacanhas e com déficit de humanidade ousam condenar. Se o princípio fosse amplamente adotado, teriam sido evitados casos como o de Maria Aparecida, que foi para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador (ela perdeu um olho enquanto estava presa), e de Sueli que também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. As duas situações ocorreram em São Paulo, que tem julgado com celeridade casos de reintegração de posse para fazendeiros contra sem-terra e é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao Estado.

Não creio que manter alguém na cadeia por conta de chiclete vai ajudar em sua reinserção social, o que mostra uma sanha mais punitiva do que educativa por parte do nobre ministro. Além, é claro, de que todo o custo do processo está sendo bem maior do que o bem em questão.

Hoje, o site do STF publicou uma notícia intitulada "STF concede 35% dos habeas corpus analisados. Quase 30% em favor de pessoas de baixa renda", praticamente uma resposta diante das críticas contra a decisão de anteontem.  Diz que da totalidade de habeas corpus que puderam ser conhecidos (quando o mérito do pedido é analisado) pelo Supremo Tribunal Federal em 2008, 34,7% tiveram o pedido concedido.

Dúvida cruel: 58,4% da população tem renda de até dois salários mínimos de acordo com o IBGE. Essa diferença aponta que tem mais gente rica com acesso à justiça do que os pobres. Ou que tem mais gente rica comentendo crimes e, por isso, precisando de mais habeas corpus do que os pobres…

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.