Lambança do Estadão ou desleixo da revista Época?
No dia 30 de maio, o jornal Estado de S. Paulo publicou no seu caderno Metrópole uma matéria com o título "Após 43 anos, Favela do Jardim Edite é removida". O texto, assinado pelo repórter Diego Zanchetta, descrevia o desfecho de mais uma disputa imobiliária entre pobres e ricos numa das regiões mais valorizadas de São Paulo. Na área da favela, próxima da ponte Octavio Frias de Oliveira, zona Sul, uma construtora quer erguer um condomínio. Mas ali moravam mais de 800 famílias. Muitos administradores municipais tentaram tirar a comunidade de lá ao longo do tempo e houve resistência. Com isso, parte das famílias devem voltar para morar no local depois das obras.
O texto do Estadão do dia 30 de maio começa assim: "O velho armário de madeira e duas sacolas lotadas de roupas foram os últimos pertences do pipoqueiro José Marcos Santana, de 50 anos, retirados do sobrado de cinco cômodos. O imóvel onde ele e a mulher moraram havia três décadas e criaram os seis filhos foi o último a ser demolido ontem, no Jardim Edite" (os grifos são meus).
Mais adiante, o Estadão diz o seguinte: "Das 834 famílias removidas para conjuntos habitacionais na região do Campo Limpo, na zona Sul, 278 vão voltar para o condomínio que será construído na área de onde a favela foi retirada – como é o caso do pipoqueiro e da mulher, os últimos a deixarem ontem a favela. Apesar de ter resistido à mudança durante quase dez anos e acionar a Justiça, Santana acabou aceitando a remoção e agora acha que as coisas vão melhorar."
É, enfim, a história de um derrotado. Um pipoqueiro que tentou inutilmente resistir às pressões pela sua remoção, mas acabou cedendo e se conformando com a situação. Sua casa, segundo o Estadão, foi demolida.
No dia 20 de junho de 2009, chega às bancas a edição 579 da revista Época. O tema principal da capa é uma reportagem sobre o uso do Twitter na rebelião promovida por iranianos desconfiados da lisura do processo eleitoral daquele país. A data de capa é 22 de junho de 2009 (dias depois da data da demolição noticiada pelo Estadão). Lá no meio da revista, há uma matéria de três páginas sobre o mesmo Jardim Edite e sobre o mesmo José Marcos Santana, o pipoqueiro.
Eis o que diz a matéria da Época, quase um mês depois: "O Jardim Edite desapareceu no fim de maio, levando com ele a vida cotidiana de mais de 800 famílias. Sobrou José Marcos, sua mulher e seus filhos, resistindo numa casa que ele, muito religioso, pintou da cor do céu. No tabuleiro do mercado imobiliário, só resta ele a derrubar, o último peão."
O título da matéria da Época é "No meio do caminho tinha uma casa". Está assinada pelo fotógrafo Marcelo Min, o autor de uma foto enorme da casa (ou ex-casa) de José Marcos, e pela repórter Eliane Brum, que fez o texto. No segundo parágrafo dessa matéria, Época afirma o seguinte: "(José Marcos Carneiro Santana) está lá porque entrou com uma ação de usocapião e obteve uma certidão, registrada em cartório, que lhe garante ficar no local enquanto não sai a sentença definitiva. Quando a empreiteira mandou que pegasse suas trouxa e fosse embora, José Marcos colou a certidão na parede. Todos foram varridos dali, menos ele."
É, enfim, a história de um lutador. Um pipoqueiro que resiste bravamente às pressões pela remoção e obteve uma vitória parcial na Justiça para garantir a moradia de sua família.
Em quem acreditar?
Como, no mês de junho, a Época conseguiu fotografar uma casa que, segundo o Estadão, foi demolida em maio? Seria possível o repórter do Estadão não ter visto um imóvel intacto no meio de um terreno plano onde todos as outras casas já estavam derrubadas? Pela foto de Marcelo Min, publicada na Época, parece improvável. Será, então, que o repórter do Estadão apurou a demolição sem visitar o local, confundindo o desejo da construtora com a realidade da favela? Essa hipótese também parece estranha, afinal, pelo texto, o repórter conversou com José Marcos Carneiro Santana, citou frases do pipoqueiro, descreveu seus móveis e seus pertences.
A outra hipótese é a revista Época ter publicado uma matéria antiga. Ela teria sido feita antes do dia 04 de maio e teria sudo veiculada sem as devidas atualizações. O que seria um completo desleixo. Em três páginas. A Época faria isso?
Leia a matéria do Estadão do dia 30 de maio, clicando aqui.
Leia a matéria da revista Época de 22 de junho, com a impressionante foto de Marcelo Min, clicando aqui.
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