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Leonardo Sakamoto

Quais os impactos sociais causados pelo seu sushi?

Leonardo Sakamoto

29/07/2009 19h20

Servir salmão grelhado aos convidados, até pouco tempo atrás, era coisa de rico. Hoje, já é possível encontrar o pescado a preços bem mais acessíveis em mercados e restaurantes brasileiros. A explosão do cultivo no Chile nas últimas décadas (que gerou muito lucro aos empresários, mas também deixou um rastro de impactos socioambientais) é a principal explicação para essa "popularização" do peixe importado, que ainda carrega a fama de "nobre".

Maurício Hashizume, que comanda o jornalismo aqui da Repórter Brasil, foi ao Chile para ver de perto os impactos sociais e ambientais causados pela produção desse pescado. Trago alguns pontos da sua investigação, feita em parceria com a Revista do Brasil.

Antes de mais nada, vale lembrar que, sem o salmão, seria muito difícil um rodízio de sushi dar lucro. Os restaurantes japoneses absorvem sozinhos cerca de 40% do salmão que vem do Chile para o Brasil. Uma fatia de 30% segue para outros restaurantes e as redes de varejo comercializam os outros 30%. A participação brasileira nas compras de salmão desse país é de 6%. Com a queda das exportações para os principais compradores, os países ricos (Estados Unidos, Japão, Europa), devido à crise, o Brasil pode passar a representar até 15%, segundo analistas de mercado.

O salmão se tornou um dos principais produtos de exportação do nosso vizinho banhado pelo Pacífico. A criação em cativeiro do pescado (que não é uma espécie originária das águas chilenas) passa por duas etapas: a reprodução de alevinos em lagos e rios continentais e a etapa de engorda no mar, dentro de imensas gaiolas posicionadas ao longo da costa. Na seqüência, o salmão é transportado até as plantas industriais, onde uma massa de trabalhadores entra em ação para que o produto fique pronto para venda. Até 2007, a salmonicultura chilena gerava em torno de 55 mil empregos diretos e indiretos no Sul do Chile. No mesmo ano, as vendas do pescado geraram US$ 2,4 bilhões.

Pesquisas de entidades como o Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (Cenda) mostraram, porém, que essa pujança econômica não se converteu em benefícios proporcionais aos trabalhadores. As remunerações se mantiveram no nível do salário mínimo, com uma parcela adicional de 20% vinculados a bônus por produtividade. Jornadas exaustivas em condições inadequadas e lesões por esforço repetitivo gerando doenças relacionadas ao trabalho foram comuns durante o boom. Casos de reumatismo e cistite por conta do serviço em baixa temperatura também. Cerca de 60% da mão-de-obra são de mulheres, que trabalham cortando, limpando e refilando o salmão.

Preocupadas com a situação, organizações como a Fundação Terram, o Cenda e a Canelo de Nos se uniram em 2006, com o apoio da Oxfam, para criar o Observatório Laboral e Ambiental de Chiloé (Olach). Por meio de pesquisas próprias, as entidades da sociedade civil detectaram ainda a ocorrência de diversas formas de práticas anti-sindicais e descobriram que a indústria do salmão tinha a segunda maior taxa de acidentes de trabalho do Chile, atrás apenas do setor de construção civil.

Antes da chegada do salmão, a população da Região dos Lagos sobrevivia basicamente da agricultura familiar e da pesca artesanal. Agora, problemas sanitários ligados a doenças do salmão e crises econômicos estão cortando milhares de empregos e deixando essas populações ainda mais vulneráveis.

Esse quadro de desequilíbrio se agravou a partir de julho de 2007, quando o vírus ISA – que já infectara peixes na Noruega no passado – passou a contaminar os salmões chilenos criados em cativeiro. De lá para cá, os sindicatos contabilizam cerca de 17 mil demissões. "O tema central hoje não é mais a condição de trabalho, mas a situação dos que foram despedidos. É preciso verificar se a lei está sendo cumprida, se as indenizações estão sendo pagas", coloca Flávia, da Terram. "Projeções empresariais apontam que a produção de salmão só voltará a ser a mesma em 2012 ou 2013. Para nós, isso nunca vai acontecer. A indústria do salmão não deve mais gerar o mesmo número de empregos que havia antes."

Acabar com 17 dos 55 mil empregos é arrasador. Aliás, essa estimativa de 17 mil é bem modesta. Os sindicalistas acreditam que pelo menos o dobro desse contingente (entre diretos e indiretos) tenha ido para o olho da rua. A referência é uma retração de 60%!

Pessoas têm aceitado ser demitidas para serem recontratadas por um salário menor por medo de ficar sem emprego. "Está em curso uma mudança tecnológica disfarçada de um discurso de qualificação", denuncia Ana Becerra, do Cenda.

"A forma de produzir salmões no mundo está caindo porque o ambiente não suporta. É problemático engordar tantos peixes nessa escala, com consumo de tantos alimentos e de tantos produtos químicos. Temos que assumir isso e pensar efetivamente no que fazer com essa gente [desempregada]."

Em resposta aos diversos protestos por conta do desemprego, o subsecretário do Trabalho, Mauricio Jélvez, anunciou um plano de investimentos públicos que prevê a capacitação, a intermediação e a criação de novas vagas. O governo articula ainda a aprovação de uma nova Lei de Pesca prometendo regras sanitárias e ambientais "extremamente exigentes". A ver.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.