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Leonardo Sakamoto

No período de chuvas, a imbecilidade aflora em SP

Leonardo Sakamoto

17/12/2009 15h44

Em qualquer lugar minimamente sério, o prefeito de São Paulo, o governador do Estado e o presidente da República já teriam sido interpelados judicialmente (cada um na área que lhes compete) pelo que está acontecendo no Jardim Pantanal, submerso em um caldo de merda e doenças desde que começaram as grandes chuvas em São Paulo. Conheço gente que mora lá e recebo notícias mais desesperadoras do que aquelas que aparecem nos programas de TV espreme-que-sai-sangue de final de tarde.

É claro que aquilo é uma região de várzea que não tem como suportar um bairro – São Paulo foi estúpida de retificar o curso do seu principal rio sem uma área de escape para as inundações (e incorre novamente no erro ao impermeabilizar o resto de solo exposto marginal do Tietê ao construir mais pistas – mas isso é outra história). É claro que uma alternativa digna e efetiva deve ser dada para o pessoal que mora lá. Mas, no curto prazo, não ter agido para drenar aquilo que o bairro se tornou foi o mais completo absurdo.

A administração municipal disse que o melhor era tirar parte do bairro de lá e dar três meses de auxílio-barraco para os moradores do que bombear a água, como se esperar para rifar a saúde de quem perdeu tudo resolvesse a questão.

A tática do "expulsar para resolver", de limpeza social, já é adotada em larga escala em regiões com ações urbanas como os bairros da Luz e Barra Funda. Jogar para longe da vista pobres, drogados, prostitutas e outros que vivem à margem da sociedade resolve para quem precisar ir a um concerto da Sala São Paulo sem se deparar com essa "poluição visual". Mas e quando estamos falando dos últimos postos avançados da cidade, como o Jardim Pantanal, o que significa jogar para longe? "Encaminhar os invasores de terras de volta às regiões de origem", como ouvi recentemente? Ou seja, encaixotar todo mundo no ônibus e mandar para fora de São Paulo?

Desteto o período de chuvas. Pois, nessa hora, a imbecilidade, que estava submersa no período das secas, flutua sem ter com que se preocupar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.