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Leonardo Sakamoto

É ético jornalista de economia operar no mercado de ações?

Leonardo Sakamoto

19/01/2010 10h33

Há um debate anacrônico no jornalismo que de tão velho perdeu os dentes que diz respeito ao conflito de interesses. O que nós, como profissionais de comunicação, podemos fazer (ou deixar de fazer) para manter o máximo de independência e credibilidade possíveis? Como somos a somatória de nossas influências e o resultado da balança entre nosso desejo e nossa racionalidade, seria bizarro pedir imparcialidade. Mas é possível pensar duas vezes e evitar a deplorável prática de "levar algum" distorcendo informações. Ou, se valendo de informação privilegiada, ganhar em cima do público leitor, ouvinte, telespectador que paga o salário do jornalista.

Por exemplo, não foram raras as vezes que ouvimos histórias em corredores de redações que jornalistas da área de economia compraram ou venderam posições na bolsa com informação quentes nas mãos antes de publicar a notícia. Isso leva pouquíssimo tempo via internet e pode garantir aquelas viagens de férias com toda a família. E não estou colocando na conta o pessoal que almoça e janta com empresários e depois trabalham bem melhor que os colegas das assessorias de imprensa…

Existe ingerência dos proprietários de veículos de comunicação? Claro, afinal mídia é tratada como negócio e o estranho, na atual conjuntura, seria se fosse diferente. E é claro que, como já falei neste espaço, há uma tendência de "reprodução social" nas redações, ou seja, normalmente quem sobe é quem compartilha dos valores dos comandam. Contudo, na imensa maioria das vezes, as bizarrices ocorrem por erro, preguiça, negligência ou má fé nossa mesmo, seres imperfeitos (que nem sempre se vêem assim), que tropeçam o tempo todo nos seus próprios interesses.

Um dos debates antigos que falei: é ético um jornalista que trabalha com mercado de ações operar ele mesmo em compra e venda para benefício pessoal? Alguém que cobre sistematicamente, batendo ou defendendo, uma empresa deveria ter ações dela? Ser acionista de uma companhia não vai mudar a forma como você a trata? Tendo em vista que determinadas informações podem desestabilizar posições na bolsa, gerando ganhos e perdas, tenho lá minha dúvida. É claro que ninguém vai conseguir derrubar uma bluechip como a Petrobras de um dia para a noite, mas pode ganhar no mercado de opções. Agora, as pequenas, as small caps, que podem saltar de valor de uma hora para a outra, podem gerar um bom dinheiro para quem divulga as informações certas na hora certa.

Existem empresas de mídia no Brasil e nos Estados Unidos que já possuem formas de regulamentar o trabalho dos profissionais que mídia que tratam de mercado de ações. Mais do que uma quarentena ou uma proibição, o ideal seria dar transparência. Abrir a carteira de ações para a redação ou, de uma forma revolucionária, para o leitor seria interessante. Há jornais nos Estados Unidos que colocam no rodapé de artigos qual o interesse do autor naquele assunto. Em um texto batendo no novo sistema público de saúde de Obama – "John Doe é dono da maior operadora particular de saúde do país." Pode ser uma idéia.

Na semana passada, tratei extensamente, e de forma dura, do caso Cosan. Por ter sido inserida na "lista suja" do trabalho escravo, ela perdeu empréstimos, clientes, valor em bolsa, até ser retirada por uma liminar. Fico imaginando se eu tivesse ações de uma competidora direta ou opções da própria empresa e se isso se tornasse público, qual seria a avaliação de minha conduta profissional.

Por isso, prefiro perder dinheiro e poder atuar livremente. Quando sobra algum (o que tem sido muito, mas muito raro), coloco tudo na poupança. Até eu escrever sobre o financiamento da Casa Própria, creio que não há problema.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.