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Leonardo Sakamoto

Pedofilia: porque o celibato não é hereditário

Leonardo Sakamoto

02/04/2010 20h34

Sim, este é um assunto para uma Sexta-Feira da Paixão.

Imagine a cena: um padre pedófilo confessando a seu bispo que pecou. Considerando o comportamento da Santa Sé sobre o assunto, ele está duplamente protegido: pelo segredo da confissão e pela necessidade de seu superior de esconder a situação. Até aí, nenhuma novidade, o crime é odioso, mas uma instituição milenar sempre conta com instrumentos eficazes de auto-preservação. Mas após Bento 16 ser acusado de não ter respondido à altura a denúncias envolvendo padres que cuidavam do seu rebanho no passado, os canhões se voltaram para cima do mensageiro – ou seja, da mídia.

Por exemplo, o Conselho Episcopal Latino-Americano acusou, hoje, meios de comunicação de divulgar fatos caluniosos sobre essas atitudes do papa. "Ao contrário do que alguns veículos de imprensa divulgaram, a atitude do então cardeal Joseph Ratzinger com relação ao caso de abusos sexuais sobre menores por parte de clero foi sempre muito severa, como testemunham as pessoas que trabalharam com ele", disse o comunicado do Celam.

O que é ser severo com pedófilos? Rezar 15 pais-nossos e 30 ave-marias – e manter o sujeito dentro da instituição ao raio de alcance de cometer um novo crime? Fazer um pedido de desculpas público achando que isso resolve o caso? Isso é ser solidário com as vítimas?

Bento 16, quando esteve no Brasil, defendeu a solidariedade. Mas de que tipo de solidariedade ele está falando? Da caridade? Uma ação pouco útil, que consola mais a alma daquele que doa do que o corpo daquele que recebe? Ou da solidariedade de reconhecer no outro um semelhante e caminhar junto a ele pela libertação da alma e do corpo de ambos? Se for a primeira, ele está pregando a continuidade de uma igreja superficial, que ainda não consegue entender as palavras que estão no alicerce de sua própria fundação.

Se falou da segunda, a solidariedade como ato de redenção do corpo e da alma, ele se referiu claramente à Teologia da Libertação, de pessoas como Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff, Tomás Balduíno, Henri des Roziers, Xavier Plassat. Prefiro acreditar que ele estava falando da primeira, pois seria irônico a atual administração do Vaticano (que dá continuidade à anterior) pregar algo que vem tentando soterrar há tempos. Da mesma forma que vem soterrando os casos de pedofilia. Faz, assim, com que corpo e alma de inocentes permaneçam em compasso de espera, congelados em um interminável luto.

A Igreja tem sistematicamente protegido seus pedófilos da justiça dos homens, talvez achando que detém o monopólio de uma justiça divina. Mas que homens de Deus são esses que protegem molestadores de crianças?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.