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Leonardo Sakamoto

Estava chovendo em São Paulo. E, agora, no Rio. Muito.

Leonardo Sakamoto

06/04/2010 21h31

Estava chovendo em São Paulo. E, agora, no Rio de Janeiro. Muito.

Grandes cidades são impermeabilizadas. Com rios retificados de cursos originais alterados para tornarem-se avenidas, dando sentido ao progresso. Em que quase toda terra nua que escoava a água foi coberta por asfalto e concreto.

Mas apesar dos compreensíveis lamúrios de quem fica preso no trânsito, demorar para voltar para casa é o de menos. Pelo menos tem se a certeza de que ainda existe uma casa para voltar. O problema é quem chega e encontra a cozinha, a sala, o quarto, o banheiro alagados de água e merda.

Nessa madrugada, barracos vão deslizar, a tia de alguém será levada pela chuva e famílias perderão tudo, sendo alojadas em escolas públicas ou nem isso. Vão ganhar espaço na mídia – não esqueçamos que a pobreza é esteticamente compatível com prêmios de jornalismo e filmes de sucesso – mas o debate vai durar só até o asfalto secar. E em São Paulo, para variar com a chuva, hoje é dia de morrer de frio, debaixo da marquise de algum prédio ou embaixo de algum viaduto.

Já disse neste espaço e torno a comentar. Ocupação irregular, planejamento, plano diretor, reforma urbana são expressões ouvidas apenas no tempo das chuvas. Na seca, elas evaporam do léxico não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam construindo, desmatando e poluindo, empurrando e sendo empurrados. Considerando que quando há um problema urbano os mais pobres são expulsos do lugar onde estavam para um lugar perto da esquina entre o "não me encha o saco" com o "não me importa aonde", é de se esperar também que a remoção deles de áreas de risco e de locais inundáveis também seja precedida de grandes protestos. Então, ninguém faz nada, só promete e faz cara de preocupado e de entendido. Afinal, é de palavras vazias e um dane-se para quem não tem nada é que vive nossa política.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.