Topo

Leonardo Sakamoto

Emprego verde só existe com trabalho decente

Leonardo Sakamoto

09/04/2010 18h32

Emprego verde só existe com trabalho decente. Os empreendimentos que não conseguem garantir dignidade e direitos básicos aos seus empregados, mesmo que cumpram todas as normais ambientais, não podem ser considerados responsáveis. Que dirá sustentáveis. Ou seja, não adianta nada uma empresa vender-se como a Madre Tereza do Meio Ambiente se ela trata as pessoas que trabalham para ela como lixo. Se bem que acreditar em alguém que se intitula a Madre Tereza de alguma coisa é, no mínimo, ingenuidade.

Falei do assunto durante participação em uma mesa sobre políticas de compras em cadeias produtivas organizada durante o Brasil Certificado, feira de produtos florestais e agrícolas certificados que está sendo realizada aqui em São Paulo. Leia-se por trabalho decente a definição da Organização Internacional do Trabalho, ou seja, um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna a todos que dependem dele para viver. Em outras palavras, o que deveria ser o básico. Aliás, é da OIT a idéia presente no título deste post.

Estamos em meio a uma (tentativa de) transição para uma economia de baixo carbono. Por isso, vale o lembrete de que isso não pode ser feito nas costas dos trabalhadores, ou seja, empresas não capitalizadas para dar esse necessário salto não podem buscar na economia de custos trabalhistas o investimento para tanto. Isso me lembra algo que Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, nos contou que ouviu, da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso: "Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço".

É possível garantir produtos menos contaminados pelo desrespeito ao trabalhador? Em algum nível sim, totalmente não (como já disse por aqui, há certos problemas que são inerentes ao capitalismo e não distorções dele. Portanto, no limite, insanáveis. Prometo voltar a esse assunto em outro momento). Mas será necessário remover alguns entraves pelo caminho.

Primeiro, os atores produtivos devem reconhecer que a realidade trabalhista está bem aquém do desejado – para dizer o mínimo. Segundo, que há certos pontos que não podem estar em discussão. O que? Direitos trabalhistas existentes não podem ser limados ou ignorados. Há pessoas que defendem a dilapidação da CLT porque acham que há "benefícios" demais para o trabalhador… Terceiro, transparência. Para um sistema desses funcionar, é necessário que o consumidor tenha seu direito à informação – previsto na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor – garantido. Ele deve saber que seu dinheiro não está financiando a superexploração de trabalhadores. O ideal seria se o governo federal ficasse responsável em fornecer informações sobre as cadeias produtivas com problemas socioambientais, pois em se tratando de rastreabilidade e relações financeiras, não há ator com mais informação que ele. Temos listas de exclusão social e ambiental, mas se não fosse a limitada ação de investigação da sociedade civil e da mídia sobre elas, o consumidor não saberia a origem de nada que consome. O direito à dignidade e à vida deveria estar acima do direito ao sigilo em determinadas transações comerciais.

Quarto: os atores econômicos devem assumir mudanças reais e não apenas balançar estandartes dizendo que estão fazendo algo para gringo ver – literalmente. Caso contrário, o discurso de melhorar a vida do trabalhador será uma grande lavagem de marca, como tantas outras que já vimos e vemos por aí. E, por último, assumir que o respeito à CLT é ponto de partida, não de chegada. Em um processo de discussão entre empresas, sociedade civil e governo, aquilo é o mínimo aceitável. E o mínimo que se espera de quem diz que quer melhorar a qualidade de vida do trabalhador é fazer mais do que obriga a lei.

Se o setor produtivo topar tudo isso, é possível termos avanços. Como tenho lá minhas dúvidas, os responsáveis pela fiscalização, a Justiça e a sociedade civil não podem esmorecerem por um minuto sequer sob o risco do trabalho digno ser item de colecionador ou peça de museu.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.