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Leonardo Sakamoto

Governo do Rio receita "demolição" para tratamento do crack

Leonardo Sakamoto

21/05/2010 10h15

O assunto não é fácil. Crack é uma das piores drogas que existe, vicia e acaba rápido com a pessoa. Até os traficantes não gostam dela. O produto é barato, o fissurado não respeita nada para ter acesso a ela – tudo o que um comerciante de drogas não precisa. Mas seus usuários devem ser tratados como dependentes químicos não como bandidos. O caso é que o Estado não tem idéia do que fazer e vêm adotando políticas de limpeza social como se fossem a panacéia para esse tipo de problema.

O Rio de Janeiro segue o exemplo de São Paulo e começou a demolir uma de suas "cracolândias". Lá, pelo menos, o ato de por abaixo não veio empacotado com justificativa de "revitalização" de uma região antes nobre, que parece resolver o problema ético de mandar para longe quem não se enquadra com a admirável paisagem nova. Até porque, a linha de trem do ramal de Belford Roxo, em Jacarezinho, está longe de ser o bairro da Luz, gente bacana não circula por lá. Então, os predinhos podem ir para o chão mesmo.

Sei que nem sempre há diálogo com dependentes químicos de crack e há medidas drásticas que podem ser tomadas. Conheço famílias que já tentaram de tudo e, para evitar que o ente querido morresse, a internação foi necessária. A discussão é complexa para restringir em um post o que é certo e errado nessa área. Mas certamente, acabar com o consumo por decreto, através de retroescavadeiras como foi feito no Rio, não é a melhor alternativa. Veja o caso bizarro da capital paulista: quem vai à Sala São Paulo para ouvir um concerto ou à Estação Pinacoteca não precisa se deparar mais com tanto trapo humano andando, vidrado, por lá. A ação do poder público está espirrando esse pessoal de lá e espalhando em outros cantos, como na região da Barra Funda, por exemplo.

O Estado brasileiro está tirando do armário algumas de suas práticas tacanhas que, antes, tinha vergonha de mostrá-las em público para varrer para baixo do tapete problemas que não consegue (ou não quer) resolver. Antes, usava agentes privados, na forma de pseudo-mercenários, para o serviço sujo e depois fazia cara de paisagem, lamentando. Agora, o ato de jogar a criança fora com a água do banho está sendo assumida pelo próprio poder público para um "bem maior".

Será que esse pessoal não entende de economia? Acham que vão acabar com a demanda movendo o consumidor de lugar? Faz me rir. Mas é ano eleitoral e matéria de denúncia não pode ficar sem uma resposta enérgica – mesmo que inútil. Pareceê aquelas blitz em São Paulo que vêm, prendem todos os usuários e, meia hora depois, quando a TV foi embora, solta todo mundo – até porque não sabem o que fazer com eles.

Uma última curiosidade: dos pontos que mais me chamou a atenção nessa história é que uma das justificativas da força policial carioca para a ação no Jacarezinho é que, além de locais irregulares para consumo de droga, as construções também serviam como prostíbulos. Ah, sim todas as casas de tolerância do Rio estão no Jacarezinho. Nada na Zona Sul? Essa nova política de "puteiro no chão" vai atingir todas as classes sociais ou só os rotos e rasgados? Pois se o Rio ou São Paulo tiverem que demolir todas as casas acusadas de serem "prostíbulos" nos bairros ricos, vão deixar o pessoal da classe abastada muito insatisfeito. E policiais que fazem bicos de sugurança nessas casas fora do expediente vão perder seu emprego.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.