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Leonardo Sakamoto

Impunidade no Pará deixou de ser notícia

Leonardo Sakamoto

23/06/2010 20h38

Quando a notícia se repete com freqüência, pode deixar de ser notícia, banalizada na sua própria recorrência. Ou a notícia passa a ser que a própria notícia deixou de ser novidade, cansada de sempre vir do mesmo jeito. Quando a Justiça sistematicamente se omite ou é incapaz de julgar acusados de assassinato, o fato deixa de ser os mandantes que não sentam no banco dos réus e passa a ser a inutilidade da própria Justiça.

Em nota assinada, entre outros, por frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA) e um dos maiores defensores dos direitos humanos no país, organizações sociais acusam a Justiça do Pará de cometer barbeiragens que beneficiaram supostos mandantes de assassinatos de trabalhadores no Sul do Pará. Cita os seguintes casos:

1)O lavrador Belchior Martins da Costa foi assassinado em março de 1982, enquanto colhia sua roça de arroz. Conforme registros da época, o corpo foi perfurado por 140 tiros, mas a policia não fez nenhuma perícia. Segundo a nota, após 28 anos, o principal acusado, o fazendeiro Valter Valente, tem por volta de 80 anos de idade e não será submetido a julgamento.

2)Braz Antônio de Oliveira, diretor do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Maria (PA), e seu colega Ronan Rafael Ventura foram mortos em abril de 1990. O serviço teria sido feito a mando de fazendeiros. No ano passado, após uma loooooooooonga tramitação, o Supremo Tribunal Federal declarou a prescrição do crime com relação a um dos supostos mandantes, hoje com 74 anos de idade.

3)O fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim foi condenado a 19 anos e meio de prisão como mandante do assassinato, em 1991, do sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Maria. Cumpriu um ano e meio da sua pena no xilindró. Mas, de acordo com a nota, divulgada pela CPT, pelo Comitê Rio Maria e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, o processo foi transferido ilegalmente para o Tribunal de Justiça de Goiás onde Jerônimo tinha família. Em 2001, retomou o cumprimento da pena em sua casa em Goiânia para, logo depois, receber um indulto da Justiça em dezembro do mesmo ano. Ele ainda responde pelo assassinato de outras duas pessoas há 17 anos – mas o processo vai a, passos largos, em direção ao brejo.

Vale lembrar que na década de 80 e 90, fazendeiros mataram um rosário de lideranças sindicais no Sul do Pará. Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram e os mandantes ficaram a sorrir. Por que? Ora, porque com raríssimas exceções, o sistema de Justiça tem decidido que cadeia no Brasil é lugar de pobre.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.