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Leonardo Sakamoto

PT e DEM trocam afagos no Acre

Leonardo Sakamoto

21/07/2010 08h13

Durante a inauguração da nova sede da Federação da Agricultura do Estado do Acre nesta segunda, Binho Marques (PT) e a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, se deram tão bem que o governador está até pensando em abrir uma "fazendinha".

Segundo a agência de notícias do governo, Marques afirmou, em seu discurso, que "nossas diferenças são como a diversidade da nossa floresta – e é nisso que está a nossa riqueza". Bonito mas, ao mesmo tempo, simbólico. Pois não importa quão diverso fosse a natureza dos grupos políticos reunidos na inauguração, todos pareciam concordar na beleza do desenvolvimento feito na pata do boi – que nem sempre respeita o que vê pela frente, sejam camponeses, indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais além, é claro, do meio ambiente. Chico Mendes que o diga. Foi assassinado por causa disso.

A expansão da atividade pecuária é importante para o país, mas ela deve ocorrer dentro de regras para evitar que cause impactos irremediáveis ao meio e ao ser humano – regras como o Código Florestal, que a bancada ruralista quer mudar a fórceps no Congresso Nacional com a ajuda de aliados do governo, como Aldo Rebelo (PC do B-SP), relator do novo texto.

Políticos ruralistas, diante das acusações de aumento no desmatamento, costumam usar o discurso pronto que o país tem que escolher entre seguir as regras ambientais, e passar fome, ou desmatar – e garantir soberania alimentar. Como se houvesse apenas duas alternativas – maniqueísmo que convém à parte dos empresários que lucra fácil com a expansão agropecuária irregular.

Reproduzo, abaixo, algumas falas dos presentes, trazidas a público pelo sempre alerta jornalista Altino Machado em seu blog, que estava presente no evento. Segundo ele, Kátia Abreu (que até embargou a voz em seu discurso) foi muito aplaudida por fazendeiros e autoridades petistas ao defender abertamente a derrubada de florestas para a expansão pecuária:

Kátia Abreu: "Não se planta arroz em cima de árvores. Não se cria bois em cima de árvores. Infelizmente ou felizmente, as áreas precisam ser abertas para a produção de alimentos. Quem dera fôssemos capazes de produzir comida sem ter que desmatar uma área, sem ter que arrancar do chão nenhuma espécie de plantinha. Seria um milagre extraordinário. Infelizmente, nós não somos capazes ainda de descobrir uma tecnologia que evite a abertura de áreas."

"Imaginem o que seria do verde se todo mundo gostasse do amarelo. Eu vejo as imagens da boiada do Acre correndo pelos pastos e eu sinto o meu coração estalar. Eu sinto o peito encher de orgulho e admiração pelo meu país, pelo que nós conseguimos com essa pecuária maravilhosa, construída pelo esforço único e exclusivamente dos pecuaristas do Brasil."

Kátia Abreu sobre o amigo Aldo Rebelo: "Um símbolo porque ele não é da direita, ele não é conservador, ele não é fazendeiro. Portanto, as pessoas puderam enxergar de alguma forma honestidade, clareza, bom senso e isenção na matéria. Se fosse um de nós, produtores rurais, relatando essa matéria, não teríamos sucesso. Precisávamos de um símbolo da esquerda, não produtor, nacionalista de bom senso e de coragem para alterar o Código Florestal Brasileiro."

Binho Marques: "Custei a entender a posição do deputado Aldo Rebelo, mas hoje eu descobri que o professor Raimundo, um dos primeiros comunistas do Acre, foi fundador da Federação. Os comunistas sempre tiveram uma quedinha pelos ruralistas. O Acre não é complicado, mas é complexo. Eu sinto que tudo isso é só o começo. Sinto que o Assuero vai investir cada vez mais no plantio de florestas e quem sabe eu vou abrir uma fazendinha. Muito agradecido. Aqui está tudo muito lindo e maravilhoso."

Em tempo: Nada sobre uma regularização fundiária real, confiscando as terras irregulares; nada sobre a realização de uma reforma agrária e a garantia que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades – as verdadeiras responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros – sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes. Nada sobre preservar os direitos das populações tradicionais, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país. Enfim, nada sobre mudar o modelo de desenvolvimento, o que inclui alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Sul Maravilha comemos e bebemos a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, arrotando alegria.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.