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Leonardo Sakamoto

Colômbia, Venezuela, Farc e paramilitares

Leonardo Sakamoto

22/07/2010 09h27

De Medellín, Colômbia – O governo Uribe acusou, mais uma vez, o vizinho Chávez de proteger integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) em território venezuelano. Caracas nega e chamou seu embaixador de volta. Bogotá fez o mesmo.

A troca de farpas não é novidade. Enquanto Chavéz mantém sua revolução bolivariana (seguindo para onde, exatamente, ninguém sabe ao certo), Uribe se tornou a base de apoio dos Estados Unidos no subcontinente, recebendo recursos financeiros e militares sob a justificativa de combater o narcotráfico. A polêmica 4ª Frota Naval, reativada pelo governo norte-americano para o Atlântico Sul, deve estacionar parte do seu efetivo na costa caribenha da cidade de Barranquilha.

Oito anos de Bush Jr. tiveram alguns efeitos perenes por aqui. O combate ao tráfico de drogas deixou o discurso único usado para justificar a atuação militar, somando-se a ele o enfrentamento ao "terrorismo" (termo que teve seus significados originais distorcidos para ser usado como uma espécie de desculpa universal, usada no massacre de civis na Chechênia ou em prisões arbitrárias em Guantánamo). E, consequentemente, a quem apóia esse "terrorismo", sejam opositores políticos internos ou outras nações.

Mas as informações sempre vêm incompletas para quem está do lado de fora, há mais atores nesse processo. Organizações da sociedade civil colombiana estimam mais de oito mil paramilitares, a maior parte de direita, atuando no país. E no que pese o governo Uribe ter feito acordos (aliás, muitos deles bizarros) para desmobilizar esses grupos, eles continuam agindo e cometendo atrocidades. Muitas vezes com a complacência de setores do Estado que os enxergam como um mal necessário contra as Farc.

A Colômbia já atacou posições das Farc em território equatoriano, matando um dos seus líderes, o que gerou protestos do vizinho. Que a fronteira entre a Venezuela e a Colômbia é extremamente permeável, poucos duvidas. Mas Chávez não é Rafael Correa, e o Equador não é a Venezuela. Portanto, uma ação nesse sentido no outro vizinho poderia ter consequências catastróficas.

Apesar de falcões dominarem a discussão, cresce por aqui a defesa de uma saída democrática para o conflito. Até porque, após anos de luta, não é possível dizer que há no horizonte visível de eventos uma derrota militar do governo central ou das Farc. A inserção do grupo na política do país, dando uma possibilidade real para que disputem e assumam o poder, da mesma forma que ocorreu com os movimentos armados de outros países, parece ser a solução mais viável.

Passo que o presidente eleito que toma posse no início de agosto, Juan Manuel Santos, terá que dar pois seu antecessor não foi capaz. E para ter sucesso com a empreitada, precisará mais do apoio político dos vizinhos (para garantir a estabilidade que um processo de paz precisa) do que do dinheiro e das armas do grande irmão do Norte.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.